"E, ausentando-se deles os anjos para o céu,
diziam os pastores uns aos outros: Vamos até Belém e vejamos os acontecimentos
que o Senhor nos deu a conhecer” (Lc 2:15).
Minha mãe, ao contrário, trabalhava duro lavando roupas para ajudar no suprimento do orçamento doméstico.
Mas vivíamos tranqüilos, sem grandes preocupações, pelo menos nós, os menores.
Naturalmente que os “velhos” tinham lá as suas preocupações e ansiedades, como
todos os pais responsáveis, pela alimentação e educação daquelas vidas
preciosas, como são todos os filhos. Mas
creio que não eram tantas as
preocupações da família, considerando-se as condições em que vivíamos.
Naquele fim de semana, porém, as circunstâncias eram por demais desalentadoras, sombrias. A lavoura de meu
pai fora totalmente dizimada por uma
forte geada. O pequeno cafezal era a esperança de fartura e novos
investimentos. Sua colheita era esperada com profunda expectativa, ansiedade e
muito entusiasmo. De repente, drasticamente, em apenas uma noite de geada, toda
a economia e esforços de anos de
trabalho duro e honesto se desfizera.
Na noite de Natal haveria, como de
costume, a programação festiva em nossa casa, onde se reunia a congregação da Igreja. Meu pai
era o exemplo de resignação e fé. Minha mãe redobrava seus esforços para minimizar as dificuldades, lavando roupas aos montões. Eu,
que não entendia praticamente nada quanto à gravidade da situação, brincava
tranquilamente com os demais meninos de
minha idade.
Enquanto aguardávamos o início do culto especial de Natal, um
coleguinha pôs-se a choramingar e resmungar ao meu lado. Procurei saber o
motivo do seu descontentamento. E ele então começou a maldizer suas botas novas, por estarem
apertando-lhe os pés. Com toda humildade própria de uma criança, perguntei-lhe:
"Quer trocar com os meus sapatos? Eles não machucam!"
Imediatamente
ele parou de chorar. Enxugou as lágrimas, e, verificando as péssimas condições
das minhas sandálias (Alpargatas Rodas), velhas, rasgadas, furadas e desfiguradas,
disse-me sem pestanejar: "Não precisa, já parou de doer!" Desde
então, muitos natais já se passaram, porém, não posso esquecer daquele Natal de
minha infância. Sempre que sou tentado a
lamentar e angustiar-me, devido aos "sapatos velhos" que a vida me
proporciona, lembro-me daquele inesquecível Natal.
Vanderlei Faria
Nenhum comentário:
Postar um comentário