“Ostras são moluscos, animais sem
esqueleto, macias, que são as delícias dos gastrônomos. Podem ser comidas
cruas, com pingos de limão, com arroz, paellas, sopas. Sem defesas – são
animais mansos – seriam presas fáceis dos predadores. Para que isso não
acontecesse a sua[1] sabedoria as
ensinou a fazer casas, conchas duras, dentro das quais vivem. Pois havia num
fundo de mar uma colônia de ostras, muitas ostras. Eram ostras felizes.
Sabia-se que eram ostras felizes porque de dentro de suas conchas saía uma
delicada melodia, música aquática, como se fosse um canto gregoriano, todas
cantando a mesma música. Com uma exceção: de uma ostra solitária que fazia um
solo solitário. Diferente da alegre música aquática, ela cantava um canto
muito triste. As ostras felizes se riam dela e diziam: “Ela não sai da sua
depressão...”
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Não era
depressão. Era dor. Pois um grão de areia havia entrado em sua carne e doía,
doía, doía. E ela não tinha jeito de se livrar dele, do grão de areia. Mas era
possível livrar-se da dor. O seu corpo sabia que, para se livrar da dor que o
grão de areia lhe provocava, em virtude de suas asperezas, arestas e pontas,
bastava envolvê-lo com uma substância lisa, brilhante e redonda. Assim,
enquanto cantava seu canto triste, o seu corpo fazia o seu trabalho – por causa
da dor que o grão de areia lhe causava. Um dia passou por ali um pescador com o
seu barco. Lançou a sua rede e toda a colônia de ostras, inclusive a sofredora,
foi pescada.
O pescador se alegrou, levou-as para a sua casa e sua mulher fez
uma deliciosa sopa de ostras. Deliciando-se com as ostras de repente seus
dentes bateram num objeto duro que estava dentro da ostra. Ele tomou-o em suas
mãos e deu uma gargalhada de felicidade: era uma pérola, uma linda pérola.
Apenas a ostra sofredora fizera uma pérola. Ele tomou a pérola e deu-a de
presente para a sua esposa. Ela ficou muito feliz...
Ostra feliz não faz
pérolas. Isso vale para as ostras e vale para nós, seres humanos. As pessoas
que se imaginam felizes simplesmente se dedicam a gozar a vida. E fazem bem.
Mas as pessoas que sofrem, elas têm de produzir pérolas para poder viver. Assim
é a vida dos artistas, dos educadores, dos profetas. Sofrimento que faz pérola
não precisa ser sofrimento físico. Raramente é sofrimento físico. Na maioria
das vezes são dores na alma”.[2]
Ao longo
de minha vida, venho tentando produzir pérolas, enquanto experimentos os
sofrimentos da vida. Mas o difícil é admitir que para produzir uma pérola precisamos, quase sempre,
experimentar o processo vivido por uma ostra. Mas como é doloroso esse
processo! Será que podemos imaginar o sofrimento da ostra?
Entretanto, ao contrário do que escreveu o poeta, Deus faz com que ostras
feridas, se transformem em ostras feridas felizes. E mais que isto,
Ele faz com que as ostras feridas felizes, produzam pérolas de grande
valor. Pérolas de qualidade acima do normal.
Pr. Vanderlei Faria
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