quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

O SOFRIMENTO COMO REALIZAÇÃO

Viktor E. Frankl passou por vários campos de concentração, e conseguiu sobreviver. Ao ser liberto procurou relatar alguns fatos ali vivenciados, procurando analisá-los como psiquiatra, baseado na Logoterapia (uma forma de atividade da psiquiatria). Eis aqui algumas de suas importantes observações a respeito do sofrimento humano:

“Gotthold Ephaim Lessing foi que disse uma vez: Quem não perde a cabeça com certas coisas é porque não tem cabeça para perder.”

Ora, numa situação anormal, uma reação anormal simplesmente é a conduta normal. Também como psiquiatras esperamos que uma pessoa, quanto mais normal for, reaja de modo mais anormal ao fato de ter caído numa situação anormal, como seja, de ter sido internada num manicômio. Também um prisioneiro, ao ser internado num campo de concentração, demonstra um estado de espírito anormal, embora não deixe de ser uma reação psicológica natural e, conforme ainda se mostrará, típica daquelas circunstancias...

A vontade de humor – a tentativa de enxergar as coisas numa perspectiva engraçada – constitui um truque útil para a arte de viver. A possibilidade de optar por viver a vida como uma arte, mesmo em pleno campo de concentração, é dada pelo fato de a vida ali ser muito rica em contrastes. E efeitos contrastantes, por sua vez, pressupõem certa relatividade de todo sofrimento.

Em sentido figurado poderia dizer que o sofrimento do ser humano é como algo em estado gasoso. Assim como determinada quantidade de gás preenche um espaço oco sempre de modo uniforme e integral, não importando as dimensões desse espaço, o sofrimento ocupa toda a alma da pessoa humana, o consciente humano, seja grande ou pequeno este sofrimento. Daí resulta que o “tamanho” do sofrimento humano é algo bem relativo; resulta, ainda, que algo quase insignificante pode proporcionar a maior das alegrias...

Como se sabe, o termo latino finis tem dois significados: fim e meta. A pessoa cuja situação não permite prever o final de uma forma provisória de existência também não consegue viver em função de um alvo. Ela também não consegue mais existir voltada para o futuro, como o faz a pessoa numa existência normal. Concomitantemente, altera-se toda a estrutura de sua vida interior. Começam a aparecer sinais de decadência interior como os conhecemos também de outras áreas de vivência...

“Uma vez que se revelara o sentido do sofrimento, também nos negávamos então a ficar desfazendo ou minimizando o volume de sofrimento que havia no campo de concentração, seja”reprimindo-o” ou iludindo-nos a respeito do mesmo com otimismo barato ou artificial. Para nós o sofrimento passara a ser uma incumbência cujo sentido não mais queríamos excluir. Para nós ele tinha revelado o caráter de conquista, aquele caráter de realização que levou Rilke a exclamar: “Quanto sofrimento há por resgatar!”

Rilke falava de resgatar o sofrimento como outros diriam cumprir uma tarefa. Havia muito sofrimento esperando ser resgatado por nós. Por isso, era também necessário olhar de frente a situação, a avalanche de sofrimento, apesar do perigo de alguém “amolecer” e, quem sabe, em segredo deixar as lágrimas correr livremente. Não precisaria envergonhar-se dessas lágrimas. Eram o penhor de ele ter a maior das coragens – a coragem de sofrer. Mas pouquíssimos sabiam disso, e só envergonhados admitiam ter-se extravasado em lágrimas.

Certa vez perguntei a um companheiro como fizera desaparecer os seus edemas de fome, ao que ele confessou: Curei-os chorando... A busca de sentido certamente pode causar tensão interior em vez de equilíbrio interior. Entretanto, justamente esta tensão é um pré-requisito indispensável para a saúde mental. Ouso dizer que nada no mundo contribui tão efetivamente para a sobrevivência, mesmo nas piores condições, como saber que a vida da gente tem um sentido.

Há muita sabedoria nas palavras de Nietzsche: “Quem tem por que viver suporta qualquer como.” Nestas palavras vejo um lema válido para qualquer psicoterapia. Nos campos de concentração nazistas, poder-se-ia ter testemunhado que aqueles que sabiam que havia uma tarefa esperando por eles tinham as maiores chances de sobreviver.

Outros autores de livros sobre campos de concentração chegaram à mesma conclusão, assim como investigação psiquiátricas sobre acampamentos com prisioneiros de guerra no Japão, Coréia do Norte e Vietnã do Norte... O vazio existencial se manifesta principalmente num estado de tédio. Agora podemos entender por que Schopenhauer disse que, aparentemente, a humanidade estava fadada a oscilar entre os dois extremos de angústia e tédio.

É fato concreto que atualmente está causando e certamente trazendo aos psiquiatras mais problemas do que o faz a angústia. E estes problemas estão se tornando cada vez mais agudos, uma vez que o crescente processo de automação provavelmente conduzirá a um aumento enorme das horas de lazer do trabalhador médio. É lastimável que muitos deles não saberão o que fazer com esse tempo livre adicional...”

Pr. Vanderlei Faria
pastorvanderleifaria@yahoo.com.br

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