sábado, 3 de março de 2012

QUANDO DEUS CHAMA

“E aos que predestinou, a estes também chamou” (Rm 8:30).
Comentando esse texto, Spurgeon assim nos ensina:

“O grande livro dos decretos de Deus está firmemente fechado para a curiosidade humana. O néscio gostaria de ser sábio; gostaria de abrir os seus sete selos e desvendar os mistérios da eternidade. Mas isso é impossível. Não chegou ainda o tempo para o livro ser aberto, e mesmo quando chegar, os selos não serão desatados por mão mortal, porém será dito: “Aqui está o leão da tribo de Judá, a raiz de Davi, que venceu para abrir o livro e desatar os seus sete selos. Quem esquadrinhará, ó Pai Eterno, os arcanos de Tua vontade secreta? Ninguém senão o Cordeiro tomará o livro dos decretos, e seus selos, bem atados, até o último abrirá. Ele, e só Ele, desenrolará o sagrado registro para lê-lo a todas as pessoas do mundo.

Como, então, poderei saber se fui predestinado por Deus para a vida eterna ou não? Esta pergunta se relaciona com os meus interesses eternos. Acaso estou entre o desgraçado número de pessoas que será deixado a viver em pecado e deste modo colher o fruto da sua iniquidade? Ou pertenço à numerosa companhia de homens e mulheres que, não obstante haver pecado, serão lavados no sangue de Cristo e com vestes brancas andarão um dia nas ruas douradas do paraíso? Até que estas perguntas me sejam respondidas, meu coração não poderá descansar, porquanto elas são a causa de uma ansiedade intensa. Meu destino eterno me preocupa infinitamente mais do que os assuntos desta vida. Digam-me, se o sabem, profetas e adivinhos: meu nome está escrito no Livro da Vida? Sou um daqueles ordenados para a vida eterna?

Ó homem, há uma resposta à sua pergunta. O livro não pode ser aberto, mas Deus publicou muitas de suas páginas. Não divulgou a página na qual os nomes dos redimidos estão escritos; porém a página do decreto sagrado onde é descrito o caráter dos eleitos está inserida em Sua Palavra e ser-lhe-á proclamada hoje. Quem tem ouvidos ouça o que o Espírito diz. Amado ouvinte: não o conheço pelo seu nome, nem a Palavra de Deus o distingue nominalmente, mas através do seu caráter pode ler o seu nome; se está participando do chamado que é mencionado neste texto, então pode concluir, sem sombra de dúvida, que está entre os predestinados: “Aos que predestinou, a estes também chamou”. E se tem sido chamado, segue-se como inferência natural que também foi predestinado.

Entretanto, ao considerar este tão solene tema, permitam-me frisar que na Palavra de Deus são mencionados duas classes de chamado. Fala-se, primeiramente, de um chamado geral, que sinceramente se dá no evangelho a todos os que o ouvem. O servo de Deus tem a obrigação de convidar a todas as almas, sem distinção alguma, a aceitar a Cristo: “Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda a criatura” (Mc 16.15). Este chamado é sincero da parte de Deus; mas o homem por natureza é tão contrário a Deus, dá-lhe as costas e prossegue seu caminho sem preocupar-se com ele.

Todavia, lembrem-se que embora o chamado seja rejeitado, o homem não tem nenhuma desculpa para fazê-lo; o chamado universal tem em si tal autoridade, que a criatura humana que não atende não terá escusa do dia do juízo. Quando alguém é ordenado a arrepender-se e crer, quando é exortado a fugir da ira vindoura, se ele menosprezar a exortação e rejeitar o mandamento, terá que sofrer as consequências disso. Aparece na Epístola aos Hebreus um solene aviso: “Como escaparemos nós se rejeitarmos uma tão grande salvação?”

Mas repito: este chamado universal é desprezado pelo homem; é um chamado, porém não vem acompanhado com a força e a energia do Espírito Santo para torná-lo um chamado invencível; e em consequência, as almas perecem, mesmo depois do chamado universal do evangelho ter soado em seus ouvidos. Os sinos da casa do Senhor soam cada dia; os pecadores os ouvem, porém, pondo os dedos nos ouvidos continuam seu caminho, uns para seus campos, outros para seus negócios. Embora sejam convidados para a festa (Lc 14.16-18), não querem vir, e não vindo, se tornam sujeitos à ira de Deus, que afirma a respeito deles: “Nenhum daqueles homens que foram chamados, provará do meu banquete” (Lc 14.24).

O chamado de nosso texto é de natureza distinta; não é um chamado universal, e sim especial, particular, pessoal, diferenciador, eficaz e invencível. Este chamado é dirigido aos predestinados, e a eles somente; eles pela graça ouvem o chamado, o obedecem e o recebem. São aqueles que agora podem dizer: “Leva-nos após Ti e correremos”.

Jesus ordena: “Tirem a pedra,” e é obedecido; agora clama: “Lázaro, venha para fora!” A ordem é dirigida a uma massa de podridão, a um corpo já morto há quatro dias, e sobre o qual os vermes já haviam celebrado um banquete. Todavia, por estranho que pareça, daquela tumba sai um homem vivo; aquela massa de podridão fora vivificada de novo, e “aquele que estivera morto saiu, tendo os pés e as mãos ligados com ataduras, e o rosto envolto num lenço”. “Desatai-o e deixai-o ir, acrescenta o Redentor; e quando isso é feito, vemos Lázaro andando com liberdade peculiar da vida. A chamada eficaz é precisamente algo semelhante.

O pecador está morto em pecado; não apenas está em pecado, mas também está morto em pecado, sem poder algum para obter por si mesmo a vida da graça. Ainda mais, não apenas está morto, está também corrompido; suas más inclinações o tornam asqueroso como vermes, fazendo com que um detestável mal cheiro alcance os átrios da justiça. Deus o detesta e a justiça clama: “Sepultem-no fora da minha vista! Lancem-no ao fogo, deixem que se consuma!”

A graça e a misericórdia soberanas se achegam a essa massa inconsciente de pecado, e clamam, quer seja através de um pregador ou diretamente, sem agente humano, pelo Espírito de Deus: “Venha!” E aquele homem vive. Acaso ele contribuiu com algo para sua nova vida? Certamente que não; a vida lhe foi dada exclusivamente por Deus. Ele estava morto, absolutamente morto, putrefato em seu pecado; veio-lhe a vida ao receber o chamado e, em obediência a esse apelo, o pecador saiu da tumba de perdição e começou a desfrutar a nova vida, aquela vida eterna que Cristo concede a Suas ovelhas.

Quando Deus chama, o homem pode resistir, porém não pode resistir vitoriosamente. O pecador cairá por terra, se Deus o chama; nada há que possa sustentá-lo quando Deus decreta que ele caia. E observem: todo homem que foi salvo, o foi graças a um chamado poderoso a que ele não pode resistir. Embora o resistisse por algum tempo, ainda assim não conseguiu superá-lo. Ele tem que ceder; tem que render-se quando Deus fala. Se Deus ordena: “Haja luz”, as trevas mais impenetráveis dão lugar à luz. Se determina: “Que haja graça”, o pior pecado cede e o coração do pecador mais endurecido se derrete ante o fogo da chamada eficaz...

Ó homem, se você foi chamado, se realmente recebeu a chamada, sairá e marchará sozinho. Talvez alguns dos que se intitulam seguidores de Deus o abandonem e você tenha de sair sem nenhum amigo; talvez a própria esposa o repila e você chegue a ser um estrangeiro em terra estranha, um solitário peregrino à semelhança dos seus antepassados. Ora, se na verdade existe uma chamada eficaz, e a sua salvação é o resultado dela, então, que importa que tenha de ir ao céu sozinho? Melhor ser um peregrino solitário a caminho da glória, que um dos milhares que se apertam no caminho para o inferno.

Quando a chamada eficaz é dirigida a alguém, talvez a princípio ele não saiba que se trata de uma chamada eficaz... Quando uma obra da graça se inicia nalgum coração, nem sempre se vê claramente que é a atuação de Deus... Creio que posso garantir aos principiantes na vida cristã que, desde que o seu chamado seja verdadeiro, podem descansar seguros de que também é divino... Se alguém anda em pecado, então não foi chamado; se continua vivendo da mesma maneira que antes da sua pretendida conversão, então não se trata de conversão real... Vivendo na prática do pecado os homens podem receber o chamado, mas depois de recebê-lo já não continuarão mais no pecado.

À luz desses fatos cada um pode saber se realmente foi chamado por Deus ou não. Se continua no pecado, se anda conforme este mundo e de acordo com o espírito que opera nos filhos da desobediência, então ainda está morto em seus delitos e pecados. “Como é santo aquele que vos chamou, sede vós também santos”.

Acaso você pode dizer: “Senhor, sabes todas as coisas, sabes que desejo guardar todos os Teus mandamentos e andar santamente diante de Ti”? Sei que minha obediência não pode salvar, no entanto anseio obedecer-Te. Nada há que me doa tanto como o pecar; por isso desejo abandoná-lo e ver-me livre dele. Ajuda-me, Senhor, a ser santo. Este seria o clamor do seu coração? Então, amado ouvinte, tenho motivos para crer que você foi chamado por Deus, pois é um chamado santo aquele com o qual Deus chama o seu povo...

Porque os dons e a vocação são sem arrependimento” (Hb 12.10 b). O Senhor jamais Se arrepende do que dá, nem de ter feito o chamado. E isso é comprovado por outra passagem da mesma Epístola citada: “Aos que predestinou, a estes também glorificou” (Rm 8.30). Crente, você talvez seja pobre ou esteja enfermo; talvez seja ignorado ou mesmo depreciado. Não importa: reflita no seu íntimo e considere o chamado que recebeu e as consequências que resultam dele. Tão certo como hoje é um filho chamado por Deus, um dia terminará sua pobreza e alcançará as riquezas da mais alta felicidade. Espere um pouco; breve uma coroa cingirá sua cabeça cansada; suas mãos, endurecidas pelo trabalho, colherão as palmas da vitória.

Cesse o pranto, pois em breve Deus enxugará suas lágrimas para sempre. Abandone esse suspiro. Por que suspirar, quando o cântico celeste está a ponto de chegar a seus lábios? As portas do céu lhe estão abertas de par em par. Ainda breves horas devem passar, mais algumas ondas devem envolver, e depois, já seguro para sempre, alcançará as douradas praias da glória. Não diga: “Eu serei, perdido; serei condenado”. Impossível! “Aos que uma vez amou, jamais os abandona; ele os ama com amor eterno.” Se Ele nos chamou, nada poderá separar-nos de Seu amor. Examine-se, portanto, se foram chamados. E que o amor de Cristo seja com todos. Amém” .

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