quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O NATAL DA OSTRA FERIDA

“Ostras são moluscos, animais sem esqueleto, macias, que são as delícias dos gastrônomos. Podem ser comidas cruas, com pingos de limão, com arroz, paellas, sopas. Sem defesas – são animais mansos – seriam presas fáceis dos predadores. Para que isso não acontecesse a sua[1] sabedoria as ensinou a fazer casas, conchas duras, dentro das quais vivem. Pois havia num fundo de mar uma colônia de ostras, muitas ostras. Eram ostras felizes. Sabia-se que eram ostras felizes porque de dentro de suas conchas saía uma delicada melodia, música aquática, como se fosse um canto gregoriano, todas cantando a mesma música. Com uma exceção: de uma ostra solitária que fazia um solo solitário. Diferente da alegre música aquática, ela cantava um canto muito triste. As ostras felizes se riam dela e diziam: “Ela não sai da sua depressão...”

Não era depressão. Era dor. Pois um grão de areia havia entrado dentro da sua carne e doía, doía, doía. E ela não tinha jeito de se livrar dele, do grão de areia. Mas era possível livrar-se da dor. O seu corpo sabia que, para se livrar da dor que o grão de areia lhe provocava, em virtude de suas aspereza, arestas e pontas, bastava envolvê-lo com uma substância lisa, brilhante e redonda. Assim, enquanto cantava seu canto triste, o seu corpo fazia o seu trabalho – por causa da dor que o grão de areia lhe causava.

Um dia passou por ali um pescador com o seu barco. Lançou a sua rede e toda a colônia de ostras, inclusive a sofredora, foi pescada. O pescador se alegrou, levou-as para a sua casa e sua mulher fez uma deliciosa sopa de ostras. Deliciando-se com as ostras de repente seus dentes bateram numa objeto duro que estava dentro da ostra. Ele tomou-o em suas mãos e deu uma gargalhada de felicidade: era uma pérola, uma linda pérola. Apenas a ostra sofredora fizera uma pérola. Ele tomou a pérola e deu-a de presente para a sua esposa. Ela ficou muito feliz... Ostra feliz não faz pérolas. Isso vale para as ostras e vale para nós, seres humanos. As pessoas que se imaginam felizes simplesmente se dedicam a gozar a vida. E fazem bem. Mas as pessoas que sofrem, elas têm de produzir pérolas para poder viver. Assim é a vida dos artistas, dos educadores, dos profetas. Sofrimento que faz pérola não precisa ser sofrimento físico. Raramente é sofrimento físico. Na maioria das vezes são dores na alma”
.[2]

Ao longo de minha vida, venho tentando produzir pérolas, enquanto experimentos os sofrimentos da vida. Mas o difícil é admitir que para se produzir uma pérola precisamos, quase sempre, experimentar o processo vivido por uma ostra. Mas como é doloroso esse processo! Será que podemos imaginar o sofrimento da ostra? Entretanto, ao contrário do que escreveu o poeta, Deus faz com que ostras feridas, se transformem em ostras feridas felizes. E mais que isto, Ele faz com que as ostras feridas felizes, produzam pérolas de grande valor. Pérolas de qualidade acima do normal.

Deus me falou profundamente através dos louvores, durante os dias (20/11/06 – 09/01/07) em que estive com o povo de Deus da cidade de Camaquã – RS. Falou-me através do coral infantil, através dos adolescentes, jovens e adultos. Porém, aprouve ao Senhor falar-me de uma forma especial, no dia de Natal, através de um menino especial, Gustavo. Ele tinha, na época, cerca de quatro para cinco anos; cego e com sérios problemas neurológicos. Mas gostava de participar dos louvores da igreja, especialmente quando minha filha, Vanice, dirige o coral infantil. Na programação de Natal apresentada pelas crianças, Gustavo emocionou a todos os presentes naquele culto. Como não consegue falar, ele se expressa pulando e vibrando enquanto os demais cantam. Um perfeito louvor ao Senhor! Quando tive oportunidade de pregar no culto seguinte, tentei dizer o seguinte:

“Louvo a Deus pela vida do Gustavo. Louvo a Deus pelo que Ele, o Senhor, tem falado ao meu coração através deste menino, este guri, como vocês falam. Espero, sinceramente, que cada membro desta igreja, e de tantos outros onde o testemunho da vida de Gustavo chegar, absorva a mensagem do evangelho de Cristo Jesus pregada através da vida do Gugu. Deus me falou através deste menino que, ainda quando possa parecer que somos os mais infelizes e desfavorecidos pela sorte, por causa das nossas deficiências ou carências, Ele, o Senhor, está construindo uma grande pérola em nós, ou através de nós.

Certamente Deus está fazendo algo extraordinário desta ostra ferida em que nos tornamos, transformando-nos em ostras feridas felizes, produzindo pérolas de grande valor. Assim, o Senhor Deus é digno de ser louvado, honrado e glorificado, apesar das dores causadas em razão da pérola que Ele está construindo em nós, apesar de nós... Se cada um de nós retiver a mensagem, a voz de Deus pregada pelo Gustavo, jamais ousaríamos reclamar, resmungar e nos rebelar contra a soberania de Deus em nossas vidas; pelo que Ele, o Senhor, determina para cada um de nós. Cada vez que me lembro do Gustavo saltitante, feliz, expressando seu louvor a Deus com todo o seu ser, sou forçado a pedir perdão a Deus por minhas tolas reclamações. Quão ingrato e indigno que sou! Perdoa-me, Senhor!

Louvo a Deus por essa mãe, irmã Nira, porque ela compartilha da alegria e do louvor de seu filho. Não perdendo tempo com lamentações, se questionando e questionando as razões e os motivos pelos quais Deus permitiu que Gustavo experimentasse tudo isso. Ao contrário, ela está atenta ao que Deus está fazendo em sua vida, tendo Gustavo como instrumento vivo da comunicação divina.

Gustavo, você ensinou-me muito a respeito do verdadeiro louvor e adoração a Deus! Tenho absoluta certeza de que muitos ainda serão desafiados e encorajados a louvar a Deus em quaisquer circunstâncias, tendo Gustavo como exemplo e referência. Certo dia, antes do culto, quando fui cumprimentá-lo, fiquei profundamente emocionado pela maneira como ele demonstrou sua amizade e carinho para comigo. Ele segurou-me pela mão e puxou-me para caminhar ao seu lado. Senti como se ele estivesse dizendo que aceitava minha amizade e companheirismo. Era como se ele estivesse selando a nossa amizade com aquele gesto. Aprendi com ele que amizade se faz com afeto e não apenas com palavras. Mas, principalmente, aprendi a glorificar a Deus “com todo o ser”, como cantamos. Ele se alegra no Senhor quando tantos estão vivendo a reclamar e resmungar pela sua “triste sorte”; quando na maioria das vezes estamos “chorando de barriga cheia”. Temos todas as condições para render graças ao Senhor e ficamos reclamando por causa dos detalhes de percurso. Agimos como o estudante que, ao invés de se alegrar com um 9,5, fica se lamentando pelos pontinhos não conquistados. Não se alegra pelo que conquistou, não agradece a Deus pela capacidade que lhe deu, pela conquista alcançada. Assim, perde o tempo do regozijo da alegria em lamentações e reclamações pelo que não conseguiu.

Os pastores do campo nos dias do nascimento de Jesus também eram ostras feridas, no meio do nada. Mas Deus se agradou em revelar-Se primeiramente a eles, ostras feridas. Deus se agradou em falar-lhes ao coração de forma majestosa e sublime, revelando a Sua glória celestial. Mas eles não se contiveram em sua alegria, não ficaram parados com suas próprias emoções e alegria. Saíram apressadamente para adorarem a Jesus. E depois de tê-Lo visto e adorado, saíram saltitantes, exultantes, louvando a Deus e compartilhando com amigos, vizinhos e parentes tudo quanto Deus lhes tinham revelado. Irmão, não fale para seus filhos que eles serão felizes quando conseguirem alguma coisa material, ou que são felizes porque têm. Mas que são felizes, bem-aventurados, porque choram, porque são humildes de coração, porque são pobres de espírito, porque têm fome e sede de Justiça, porque são mansos, porque são pacificadores, porque são misericordiosos, e, principalmente, quando sofrem e são perseguidos por causa da justiça! Digam para seus filhos que ostras feridas que sofrem, choram e têm problemas, também podem ser ostras felizes. E que ostras felizes também produzem pérolas de grande valor! Cantem e contem que Deus ainda fala hoje através de ostras feridas felizes, como eu e você!

Contem e cantem pra eles a história desta ostra ferida feliz, chamada GUSTAVO! Mas, acima de tudo, cantem e contem pra eles a linda história daquele que foi a nossa ostra ferida feliz Suprema, chamado JESUS CRISTO, o Filho do Deus vivo! Contem pra eles que a nossa ostra maior, foi ferida e moída na cruz por causa dos nossos pecados! Contem que a nossa ostra ferida ressuscitou, assim como nós, os que cremos nEle, também haveremos de ressuscitar. Assim, Ele tornou-se a nossa ostra ferida feliz, reproduzindo pérolas de grande valor: os salvos pelo Seu precioso sangue! Aleluia.


Pr. Vanderlei Faria - pastorvanderleifaria@yahoo.com.br
www.mananciaisdevida.blogspot.com

[1] Na verdade, não existe sabedoria nas coisas, na natureza. Toda sabedoria vem de Deus.
[2]
Rubem Alves

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