sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

UMA SOCIEDADE ESCOLHIDA

A igreja é a nova sociedade de Deus. Esta sociedade é uma sociedade escolhida. Ela é constituída do povo de Deus.

“Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo, assim como nos escolheu nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade, para louvor da glória de sua graça ...” (Efésios 1.3-6).

A doutrina da eleição tem tido seu brilho diminuído com o passar dos séculos na igreja. A filosofia de cada época tem dado sua parcela de contribuição para ofuscá-la. A lógica humanista tem sido a metodologia dominante do pensamento humano – ainda que a lógica de Deus não seja a lógica humana, e nem pode ser, porque a Escritura diz:

“... os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos, os meus caminhos, diz o Senhor, porque assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos, mais altos do que os vossos pensamentos” (Is 55.8,9).

Alguém pode alegar: até que ponto vale a pena tratar de um assunto tão controvertido e debatido durante séculos, e onde, aparentemente, não se chegou à conclusão alguma? Não seria melhor deixar este assunto para os pastores e os teólogos decidirem?

Antes de tudo, devo afirmar que tais indagações são legítimas. Em muitos círculos – e o nosso não é muito diferente –, devido à maneira como tem sido tratado o tema, muitos têm se sentido como se estivessem em um aberto campo de batalha, montados em seus cavalos, com todas as parafernálias de guerra, lutando contra seus inimigos – aqueles que pensam diferente –, muito visto nas cruzadas da Idade Média. Devemos, realmente, evitar todo tipo de disputa, e não é com este espírito de disputa que me proponho tratar sobre o tema. Acredito que quando Deus revelou este texto ao seu servo Paulo, ele não o fez para que apenas pastores e/ou teólogos discutissem. Ele não escreveu a um conselho de pastores para que fosse tema de debate às terças-feiras pela manhã, enquanto tomassem um cafezinho. Mas escreveu para uma igreja local – ou igrejas locais – formadas de pessoas comuns, muitas das quais não tiveram acesso ao conhecimento fornecido pelos grandes mestres da época, mas que, nem por isso, estavam em desvantagem, pois possuíam o Espírito de Deus que a tudo elucida. Aquele que nos guia à verdade.

Deve-se dizer, também, que quando Deus enviou sua palavra ele o fez não para que alguns temas fossem tratados em um fórum especial de debate e nem mesmo para que fosse debatida entre os cristãos, mas para que fosse crida como palavra do Senhor a nós, fonte de toda a consolação, e pregada na igreja.
Na grande maioria das ocorrências no Novo Testamento, ela foi ensinada para encorajar os cristãos em lutas constantes por causa da fé. Creio que este motivo é suficiente para entendermos o quão relevante é para nós entendermos esta doutrina, e que, como alguém vocacionado por Deus para a obra do ministério – um arauto –, não devo selecionar o que falar daquilo que Deus, por sua infinita sabedoria, revelou em sua palavra. Eu não sou mais sábio nem mais esperto do que Deus. Se ele nos revelou, é importante.

1. O autor da nossa eleição: Deus Pai
O apóstolo Paulo afirmou que foi Deus Pai quem nos escolheu em Cristo. Ele é o autor da eleição. Entretanto, não tem sido com tanta simplicidade que este assunto tem sido abordado e entendido ao longo dos séculos – isto quando é abordado!
Creio que grande parte do debate na história deve-se à compreensão equivocada do Deus que se revelou em Cristo. De alguma forma, ela tem a ver com a compreensão da vontade de Deus. Sabemos que ele é um ser dotado de vontade, e ela sempre é santa, justa e perfeita. Falamos sempre nela e a desejamos, sinceramente. Mas a questão é se essa vontade de Deus é livre. Ele pode ou não fazer tudo o que lhe apraz?
Alguns acreditam que ele pode e faz o que lhe apraz, jamais comprometendo sua santidade, justiça e perfeição. Outros acreditam que ela está condicionada aos limites que ele mesmo estabelecera para si – uma idéia um tanto estranha, para não dizer sem base bíblica e com um “Q” de filosófica.

O que diz a Bíblia? Paulo diz que o que Deus fez foi “segundo o beneplácito de sua vontade ... desvendando-nos o mistério de sua vontade” (1.5,9). O texto ensina que Deus tinha uma vontade boa (“beneplácito”) e a cumpriu “na dispensação da plenitude dos tempos” (1.10). Não se tratou de arbitrariedade da parte de Deus – como muitos pensam –, mas de uma obra perfeita que não somos capazes de alcançar suas devidas dimensões. Contudo, não podemos nos esquecer que jamais compreenderemos a mente do Senhor e que jamais seremos seus conselheiros (Rm 11.34). Nossas mentes são muito rasas para a compreensão da mente do Senhor, que é profunda e revelada em sua palavra de maneira suficiente para sermos aceitáveis a ele.
“Que diremos, pois, se Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita longanimidade os vasos de ira, preparados para a perdição, a fim de que também desse a conhecer as riquezas da sua glória em vasos de misericórdia, que para a glória preparou de antemão, os quais somos nós, a quem também chamou, não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios? (Rm 9.22-24).

Há como explicar isso? Certamente que na sua totalidade não! Mas o fato de não obtermos todas as explicações não nos dá o direito de marginalizá-la. Para os homens, uma arbitrariedade, mas não para Deus, pois Deus não é arbitrário. Nós somos arbitrários, Deus jamais. O fato é que Deus tem um propósito, e ele sempre irá prevalecer.

Tudo começou com Deus. O que ele fez foi uma obra maravilhosíssima, movido por um grande amor desinteressado – pois ele nos amou primeiro. Ainda que tenha sido insultado pelas suas criaturas, ele proveu um cordeiro e nos salvou com uma tão grande salvação. Ele é a origem de toda a obra da criação e de toda a sua recriação – a salvação em Jesus Cristo.
2. O tempo da nossa eleição: a eternidade
“Antes da fundação do mundo” é a frase que Paulo usou para descrever o tempo da obra do Pai, a eleição. Quando nada existia, Deus já havia estabelecido a sua obra redentora. Mesmo quando homem algum existia ou tinha cometido pecado, Deus nos amou e providenciou-nos seu Filho, o mesmo que foi morto antes da fundação do mundo (Ap 13.8). Foi na eternidade que Deus estabeleceu toda a obra redentora que se consumou na vida e ministério do Senhor Jesus Cristo. Ele estabeleceu um plano perfeito e o cumpriu.

O apóstolo Paulo, escrevendo aos romanos, ilustrou esta verdade:
“E ainda não eram os gêmeos nascidos, nem tinham praticado o bem ou o mal (para que o propósito de Deus, quanto à eleição, prevalecesse, não por obras, mas por aquele que chama), já fora dito a ela: ‘O mais velho será servo do mais moço’. Como está escrito: ‘Amei a Jacó, porém me aborreci de Esaú’” (9.11-13).
Como entender isso? Que posso dizer
acerca da atitude de Deus em relação aos gêmeos? Não tenho como explicar filosoficamente. Mas uma coisa sei, em nada Deus feriu sua santidade, justiça e verdade. Ele planejou desde a eternidade que as coisas fossem assim, e foram.
Alguém disse certa vez: “se eu não posso entender com a minha razão, não devo crer”. Alguém retrucou: “Pois eu creio, ainda que eu não possa entender, pois está na Bíblia, e ela é a santa revelação de Deus a nós”.

3. O propósito da nossa eleição
Como já ressaltei, Deus é um Deus que possui um propósito definido. Tudo o que Deus faz tem um propósito. Não é diferente na obra da salvação. Ele não salva como resultado de uma resolução repentina. Deus não trabalha com medidas provisórias. O teólogo batista, Walter T. Conner, em seu livro “O Evangelho da Redenção”, publicado em 1981, pela JUERP, afirmou: “Negar a doutrina da eleição seria o mesmo que dizer que Deus salva o homem sem que antes tivesse planejado fazer isto ... Se de outro lado, Deus salva uma pessoa sem que haja antes planejado salvá-la, segue-se que ele age por impulsos ... Considerar-se eleição um ato arbitrário é o mesmo que se considerar como arbitrárias as atividades planejadas” (p.65).
Temos, então, a pergunta: qual o propósito da eleição? Paulo diz: “... nos escolheu ... para sermos santos e irrepreensíveis ... para a adoção de filhos ... para louvor da glória de sua graça”.
Santidade, irrepreensibilidade, adoção e louvor a Deus Pai são os propósitos de Deus na eleição.

3.1. Santidade
Algumas pessoas que não se entregam ao devido estudo que a Palavra de Deus merece receber alegam que se os salvos são escolhidos por Deus podem viver da maneira que quiserem, pois no final ainda serão salvos. Isto demonstra não apenas a fraqueza de suas convicções quanto à salvação, mas, também acabam desgraçando suas vidas e as dos outros que recebem suas influência.

O apóstolo Paulo é claro ao afirmar que Deus nos escolheu para sermos santos. Isto significa que possamos fazer “o que nos dá na telha”. Se alguém diz: “eu sou um eleito” – coisa que o salvo jamais ousa afirmar –, e vive de qualquer maneira, é um mentiroso e a verdade não está nele. O viver santo é fruto encontrado em quem foi salvo pela graça de Deus. O homem que trilha a vereda do pecado, que busca satisfazer os desejos da sua carne, terá como retribuição o lago de fogo e enxofre – caso não receba o perdão mediante o arrependimento e a fé em Cristo – ainda que tenha muitos anos como membro de igreja, ainda que exerça uma função proeminente de liderança – mesmo pastor.

3.2. Irrepreensibilidade
O segundo aspecto é a irrepreensibilidade do salvo. Por acreditar que não temos o devido conhecimento do conceito que Paulo expõe, acho que devo explicá-lo. Alguns pensam que se trata de alguém que jamais “pisa na bola”, “deixa na reta” ou “escorrega na maionese”. Mas o conceito bíblico é de alguém cuja justiça de Cristo lhe foi imputada de maneira que não pode ser reprovado. Isto está de acordo com o que Paulo escreveu aos romanos: “quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará?” (8.33,34). O salvo está livre da condenação, pois Cristo imputou-lhe sua justiça e nada poderá separá-lo do amor de Deus que está em Cristo.
3.3. Adoção
O terceiro aspecto é a adoção. Como sabemos, o salvo é filho de Deus por adoção, enquanto Cristo é o unigênito de Deus. O que Paulo diz é que a adoção tem como fundamento a eleição. Em outro lugar lemos que “a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que crêem no seu nome; os quais não nasceram do sangue – não é uma questão de vínculos genealógicos –, nem da vontade da carne – não é uma questão natural, como o nascimento de um bebê –, nem da vontade do homem – não é uma questão de desejo ou vontade humanos –, mas de Deus – é sobrenatural, divino” (Jo 1.12,13).

3.4. Louvor da glória de Deus
O quarto propósito de Deus é a sua própria glória. Deus é o começo e o fim de todas as coisas. Ele é o alfa e o omega, autor e consumador da nossa fé. Paulo escreveu: “porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!” (Rm 11.36).
Como cantamos de quando em vez, Deus “nos criou para o louvor da sua glória”. A nossa vida e a da igreja deve ser para o louvor da sua glória. Não devemos buscar nossos próprios interesses. Devemos buscar o que exalta a Deus. Não temos uniformidade. Temos diferenças em muitos pontos. Cada um de nós estamos em um mirante onde podemos ver as mesmas coisas ou não. Alguém disse, com muita propriedade, que todo ponto-de-vista é a vista de um ponto. Apesar disso, devemos ter unidade, pois temos muito mais coisas que nos unem do que nos separam. Mas tudo seja para a glória de Deus. Se eu precisar fazer uma escolha entre Deus e os homens eu preciso ficar com Deus, pois não devo temer aqueles que podem matar o corpo, mas aquele que, além de tirar a vida, pode lançar a alma no inferno, o Deus todo-poderoso (Lc 12.4,5). A ordem bíblica é “fazei tudo para a glória de Deus” (1 Co 10.31).
4. O mediador da nossa eleição: Deus Filho

“Nele”, “perante ele”, “para ele” e “por meio dele” são termos que saltam aos nossos olhos e referem-se a Jesus no nosso texto. O que Paulo nos ensina é que Jesus é o centro de todas as coisas. O propósito redentor de Deus Pai tem o Filho como mediador. Isto está de acordo com o que Paulo escreveu a Timóteo: “Porquanto há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem” (1 Tm 2.5). Ele é o que dá vida. Para sermos agradáveis a Deus precisamos estar nele. Estar nele significa estar crucificado com ele e ele viver em nós (Gl 2.20). A cruz é o triunfo de um Deus que planejou todas as coisas e, através do Filho, consumou todas as coisas. Ele é aquele que reconciliou consigo mesmo todas as coisas. Ele é o perfeito mediador.
O Novo Testamento ensina que fora de Jesus não há salvação. A eleição não é um fim em si mesma, mas Jesus é. Ele é o único que livra do pecado e mais nada ou ninguém.

Paulo César Valle

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