Assisti a uma  pregação televisiva na qual o  pregador  procurou fundamentar sua mensagem nas palavras de Jesus, como se a vida abundante prometida  pelo Mestre se restringisse única e exclusivamente aos bens materiais, à riqueza material.
A certa altura chegou a dizer: "Você, meu irmão, não fique aí sofrendo, passando necessidade, se contentando  com esse  carrinho velho. Tome posse pela fé  dessa promessa, essa vida  de prosperidade e de saúde que Jesus está prometendo!" E foi por aí desafiando os crentes a tomarem posse de uma vida de prosperidade e fartura... 
Se você, como eu, não tem sequer um carrinho velho, já que até o que tinha lhe foi tirado, ou perdido; se você ouviu tal disparate com nome e pose de evangelho, das duas uma: ou você ficou  deprimido consigo mesmo e revoltado com Deus por não estar "cumprindo Sua promessa" para com a sua vida; ou você achou que alguma coisa  está errada com a mensagem ouvida. Em outras palavras, se esse pregador  falou ou interpretou corretamente o texto sagrado, então o restante da Bíblia  está errado, já que  todos os profetas, apóstolos e  servos de Deus do passado, passaram tribulações, perdas, perseguições, sofrimentos e  mortes prematuras. E não só isso,  o próprio Senhor disse que passaríamos tribulações ([1]).
Não há a menor dúvida de que  esse pregador está completamente equivocado, para não dizer outra coisa, em sua interpretação bíblica. Ou será que há contradições nas palavras do Senhor Jesus e nos ensinos dos apóstolos? Teria Deus de fato prometido uma vida de abundância, de fartura perene e constante dos bens materiais, de plenitude de saúde  e absoluta paz na terra? Será que  os outros cristãos que nos antecederam, ou aqueles que estão vivendo atualmente em países ou locais onde há perseguição e  tortura dos servos de Deus não tomaram posse dessa promessa?  Será que os cristãos primitivos, os quais  enfrentaram prisões, escárnio, perseguição, tortura e a morte, falharam ou não confiaram nessa "promessa" de abundância? Ou  teriam eles vivido  sem fé suficiente para alcançarem tais bênçãos?
Se de fato, como nos diz o escritor de Hebreus,  viveram  pela fé, e por isso pagaram com seu próprio  sangue por sua  fidelidade ao Senhor, como tantos  hoje que estão sofrendo  em diversas partes do mundo por causa de sua fidelidade a Cristo... Se  esses homens e mulheres santos e tementes a Deus não alcançaram tais "promessas" de abundância material, teriam eles falhado, ou essa interpretação é que é  fantasiosa e falha?
 Consideremos ainda: Quem teve  vida abundante, realmente: Paulo, com todos as suas doenças físicas, que sofreu espancamentos, perseguições de toda a sorte, escárnio e zombaria; ou o rico da parábola contada por Jesus (rico e Lázaro)?; ou o jovem rico ao qual Jesus mandou que vendesse todos os seus bens para depois segui-Lo?
_ João Batista pregando no deserto, comendo gafanhoto com mel silvestre; ou Zaqueu, o publicano, antes de encontrar-se com Jesus, em sua coletoria?
_ Pedro e João e os demais  que ousaram seguir a Jesus, deixando para trás o barquinho  e as redes de pescaria que representavam a garantia de sua sobrevivência material; ou Nicodemos com toda a sua formação acadêmica e sua provável  tranquilidade  econômica? E o Filho Pródigo, quando foi que ele experimentou a verdadeira vida abundante? Quando  viveu dissolutamente gastando toda a sua herança pelo mundo a fora, ou  depois  que voltou  sem nada, humilhado, aos braços  ternos do pai?
Será que somente ao considerarmos  estes fatos já não  nos damos  conta de  que há  uma profunda  e significativa distorção dos valores espirituais na pregação triunfalista e festiva dos dias atuais? Paulo interpretou corretamente as palavras de Jesus desse texto quando  escreveu Fl  4.10-13.
Portanto, podemos afirmar, com toda  a convicção, que nosso Senhor não estava se referindo à vida de abundância  física e material, visto que Ele mesmo afirmou que quem não deixar  tudo e tomar a sua cruz não é apto  para o reino de Deus. Ora, o Senhor não seria incoerente e contraditório, afirmando coisas completamente antagônicas; dizendo que temos que deixar tudo (no sentido de prioridade e preocupação) e depois, que devemos reivindicar o TUDO  que deixamos para traz.
E mais ainda, o que haveremos de conquistar pelo simples fato de sermos filhos de Deus? Isto seria um  contrassenso, e nosso Mestre não é incoerente e confuso em Seus ensinos. Então, qual seria essa vida abundante à qual  se refere nosso Senhor? Paulo, em sua excelente aplicação em sua própria vida, não  disse que tinha e podia ter qualquer tipo de direito especial, fartura, fortuna ou saúde que desejasse. Ao contrário, disse que poderia  sentir-se  feliz e tranquilo  vivendo  sob pressão e opressão, na fartura e/ou na miséria, em tudo ele estava preparado e pronto para enfrentar e viver.
Em quaisquer circunstâncias ele haveria de estar tranquilo  e feliz, porque sua vida estava nas mãos de Deus, e  isso era o mais importante para ele. Era a vida com significado, vida que valia a pena ser vivida, curtida, aproveitada. Vida abundante, porque cheia da graça e da presença divina. O que a tornava em vida significativa e abundante não eram os bens materiais que viesse a experimentar, mais sim pela  preciosidade  da superabundante graça de Deus.
Qualquer coisa que Deus  lhe permitisse  desfrutar, sofrimento, enfermidade, pobreza, perdas ou fartura,  saúde ou qualquer outro tipo de conforto material, qualquer coisa, em quaisquer circunstâncias Deus estaria sendo digno de ser honrado e glorificado. Deus continuava, como sempre é, fiel para com seu servo, ainda que a morte devida à pregação do evangelho fosse seu destino, o Senhor continuava digno de sua adoração. Isso é que é de fato vida abundante. É vida que exala o perfume de Cristo. É vida cheia do Espírito Santo, é vida de conformidade com a soberana vontade do Senhor, na certeza de que nada acontece por acaso e que Deus está no controle absoluto de todas as coisas  que nos acontecem, mesmo quando passamos  tribulações, dores, perdas e a morte prematura. Ele é  fiel e estaria dando-lhe graça para sentir-se em paz e feliz a despeito das lutas e dores que lhes eram impostas pelos inimigos da cruz de Cristo. Ele estava de fato experimentando  a verdadeira vida  abundante  a qual o  Senhor lhe havia prometido.  Vida cheia da  presença divina, vida  de plenitude do Espírito Santo. Isto é vida plena com Deus, cheia  da alegria  do Espírito. É VIDA com letras grandes. É vida rica, poderosa em Deus, cheia da superabundante graça de Cristo.
O que realmente importa? Viver  um cristianismo de abundância  material e desprovido do poder e da graça de Cristo, ou viver sob pressão mas tendo  o  coração cheio do Espírito Santo de Deus? Talvez ainda alguém   diga: Eu   quero as duas coisas.  Bem, não digo que  alguém  não possa  usufruir as duas coisas ao mesmo tempo; e não duvido que alguns dos meus diletos leitores possam estar experimentando as multiformes bênçãos celestiais tanto material como espiritualmente.  Mas  isto só é possível se tivermos primeiramente a bênção espiritual. Dessa forma, ainda que seja  no pouco, sentiremos abastecidos e suficientemente ricos. Mas, se  não tivermos a graça de Cristo no coração, nenhuma riqueza humana será suficiente para dar-nos  o sentimento de  gratidão a Deus pela graciosa bênção do Senhor. Por isto, a Bíblia nos diz:  "Eu sou a tua porção e a tua herança no meio  dos filhos de Israel" ([2]). Assim disse o Senhor à tribo de Levi quando repartiu a terra de Canaã com as tribos de Israel. E nem por isso a tribo de Levi se tornou com  sentimento de inferioridade ao verificar que os outros tinham  muito mais que eles. Sem esse entendimento da verdadeira  vida abundante, nenhuma   abundância material conseguirá  proporcionar-nos a paz  de espírito e o  sentimento de satisfação com o que temos e com o que  podemos desfrutar nessa vida. Haverá  sempre angústia e ansiedade para conseguirmos algo mais a fim de superarmos os nossos concorrentes do sucesso.
Com a graça de Cristo o nosso pouco é tudo, ou o suficiente para nos  dar alegria de cultuarmos a Cristo. Sem a graça de Deus, ainda que tenhamos muitos bens materiais, sempre haverá em nós a sensação de que ainda não temos o suficiente; o que de fato será verdade, porquanto a graça de Cristo é tudo o que mais precisamos. Portanto, "Agrada-te do Senhor, e ele satisfará os desejos do teu coração. Entrega o teu caminho ao Senhor, confia nele, e o mais ele fará" ([3]).
 
 
Pr. Vanderlei Faria
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