segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

VIRTUDES CRISTÃS DA ELEIÇÃO

“Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de ternos afetos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de longanimidade” (Cl 3.12).

Tenho enfatizado que uma das muitas vantagens em se estudar a doutrina da eleição é que ela estabelece o verdadeiro fundamento para a compreensão da doutrina da perseverança dos santos. Sem a eleição, não há como manter todo o edifício da salvação em pé; sem a eleição não há como defender o princípio – que, conforme já procurei esclarecer anteriormente, precisa ser devidamente compreendido – de “uma vez salvo, salvo para sempre”.

O texto em questão constitui-se um dos argumentos de Paulo para mostrar aos irmãos de Colossos que Jesus é a fonte da vida do crente e que apenas dessa forma podemos viver a vida no Espírito. Nos versos anteriores, Paulo apresentou o conceito de “revestir” na epístola. Para o apóstolo Paulo, o eleito é alguém que se despiu do “velho homem com seus feitos” (v.9) e se revestiu do “novo homem que se refaz para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou” (v.10). Certamente, Paulo estava procurando esclarecer que não bastava aos membros daquela igreja “ter consciência” de sua eleição, ou fundamentá-la de maneira razoável, sem que suas vidas pudessem evidenciá-la claramente no dia-a-dia.
Muitas pessoas pensam que quando tratamos da doutrina da eleição estamos falando de algo que banaliza a fé e que desencoraja a vida santa e promove o viver de qualquer maneira. Mas devo adverti-los que isso não é a verdade das coisas, e só mostra o quanto permanecemos ignorantes na Palavra de Deus.

Paulo procurou deixar bem claro “que a eleição afeta a vida em todas as suas fases; não é abstrata. Apesar de pertencer ao mandado de Deus desde a eternidade, ela se torna uma força dinâmica nos corações e vidas dos filhos de Deus. Produz frutos. É uma eleição não somente para a salvação, mas definitivamente também para o serviço (como um elo da corrente). Tem como seu objetivo final a glória de Deus e a obra do seu deleite” (HENDRIKSEN, W. Comentário do Novo Testamento: Colossenses e Filemon. São Paulo: CEP, 1993. p. 195). A eleição, portanto, não é um tema que não tem implicações na vida de gente comum como eu e você, mas, um tema prático que tem a ver com o nosso dia-a-dia, que tem a ver com o nosso viver na família, no trabalho, na escola ou na faculdade, na igreja e na sociedade.

Quais as virtudes, então, que encontraremos na vida de uma pessoa escolhida por Deus? Quais as virtudes que encontraremos na vida de uma pessoa salva? De acordo com o texto são as seguintes: “ternos afetos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de longanimidade”. É necessário dizer que todas essas virtudes estão relacionadas à vida no seu aspecto horizontal, ou seja, ao nosso relacionamento com o próximo. Antes, porém, devo adverti-los que uso o termo “próximo” de acordo com o sentido da parábola do Bom Samaritano, ou seja, as pessoas que costumeiramente tratamos com indiferença; aqueles que não nos são muito achegados; aqueles que normalmente não são bem-vindos.
1. A primeira virtude é um coração cheio de ternos afetos de misericórdia.
Não podemos compreender a virtude cristã da misericórdia, e nem qualquer outra virtude cristã, se não voltarmos os nossos olhares para o Deus de toda a eternidade. Deus é o Deus da misericórdia. A Escritura nos diz que “as misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim; renovam-se a cada manhã” (Lamentações 3.22,23).

Tenho ensinado aos irmãos a distinção, apenas didaticamente falando, entre “misericórdia” e “graça”. Enquanto a graça é Deus nos dando aquilo que não merecemos, misericórdia é Deus não nos dando o que merecemos. Por isso o povo não fora consumido pelo Senhor nos dias do profeta Jeremias. Deus fora misericordioso, não lhe dando o que merecera.
O Deus de toda a misericórdia nos ensina que sua misericórdia é livre. Ela alcança homens indignos, portanto, não merecedores de sua misericórdia. Chega a confundir-se com a sua própria graça, quando Deus outorga o que não é merecido. Ela não depende dos méritos humanos. Aliás, estabelecer méritos é destruir a misericórdia.
Se a misericórdia de Deus é livre, devemos oferecê-la, livremente, a todos. Não devemos selecionar as pessoas que serão alvos de nossas misericórdias, pois isso é destruir a misericórdia. Ela é livre. Não podemos ser misericordiosos apenas com aqueles que um dia foram misericordiosos para conosco. Assim como Deus têm sido misericordioso para com todos os homens – isso pode ser provado pelo fato de que a humanidade ainda existe –, nós devemos estendê-la a todos.

Deus nos ensina também que sua misericórdia é superabundante. O sol não é tão cheio de luz, como Deus é de misericórdia. Na Bíblia, a misericórdia do Senhor sobressai-se à sua ira. Ela jorra na direção daqueles que merecem sua ira devido à desobediência e submissão ao pecado, manifestando-se superabundante em suas vidas, ainda que não reconheçam isso.
Se a misericórdia de Deus é superabundante, devemos oferecê-la, da mesma maneira, a todos. Não podemos estabelecer limites ao exercício pessoal da misericórdia. Quantos problemas evitaríamos na família, no trabalho, na escola ou faculdade, na igreja ou na sociedade se exercitássemos a misericórdia sem limites! Quantos sofrimentos seriam poupados! Mas, lamentavelmente, sabemos que nem sempre é assim.
O novo homem, aquele que foi alcançado pela graça de Deus, tem a misericórdia como fruto de sua eleição.

2. A segunda virtude é um coração cheio de ternos afetos de bondade
Se Deus é o Deus de toda a misericórdia, é verdade também que ele é o Deus de toda a bondade. Sua misericórdia e sua bondade caminham juntas. Um ser misericordioso é um ser bom e um ser bom é misericordioso; caminham lado a lado (cf. Salmo 145.9). O Salmo 52.1 afirma: “a bondade de Deus dura para sempre”.
O conceito de bondade na epístola aos colossenses significa o espírito amigável e ajudador que procura suprir as necessidades dos outros mediante atos generosos. São atitudes, ainda que pequenas, do dia-a-dia, que demonstra a grande generosidade que há no coração do salvo. Ela é oposta à maldade ou à maledicência, conforme no verso 8.
Se a bondade é uma virtude oposta à maldade ou à maledicência, devemos criar todo tipo de resistência para não cedermos a estes pecados que caracterizam o andar do velho homem. Para isso, precisamos ser bons conforme o sentido bíblico da palavra.
Um dos grandes problemas que as igrejas possuem é a maledicência – conhecida popularmente como fofoca. Quantos males seriam evitados se os fofoqueiros fossem erradicados da igreja!
O novo homem, aquele que foi alcançado pela graça de Deus, tem a bondade como fruto de sua eleição.

3. A terceira virtude é um coração cheio de ternos afetos de humildade
A humildade é a virtude cristã caracterizada pelo reconhecimento da própria fraqueza e dependência, mas também do poder de Deus. Jesus disse: “bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus” (Mateus 5.3). Ela é oposta aos valores modernos, sendo um dos conceitos quase que erradicados do vocabulário e da vida das pessoas.
Paulo escreveu: “nada façais por partidarismo ou vanglória, mas por humildade, considerando cada os outros superiores a si mesmo” (Filipenses 2.3). Para o apóstolo Paulo, a humildade deve ser o pressuposto da vida do salvo. Todos os aspectos da sua vida precisam ter a humildade como fundamento.

A Bíblia diz que quando Deus se fez carne e habitou entre nós “a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até a morte e morte de cruz” (Filipenses 2.8). O Rei dos reis e Senhor dos senhores, “não julgou como usurpação o ser igual a Deus” (Filipenses 2.6).
Se a humildade é uma virtude encontrada em nosso Senhor, e é uma exigência de Deus a nós, por que permanecemos, tantas vezes, arrogantes, petulantes, orgulhosos diante de pessoas que, às vezes, nem conhecemos? Por que costumamos olhar as pessoas por cima, como se fôssemos melhores que elas? Por que pensamos que somos insubstituíveis? Por que temos mais autoconceito do que convém? Será que, em muitas ocasiões, não nos falta certa humildade?
O novo homem, aquele que foi alcançado pela graça de Deus, tem a humildade como fruto de sua eleição.
4. A quarta virtude é um coração cheio de ternos afetos de mansidão
O termo mansidão “indica uma submissão obediente a Deus e sua vontade, com uma fé não vacilante e uma paciência constante que se manifesta em atos gentis e numa atitude benevolente para com as outras pessoas, e, freqüentemente, enfrenta oposição. É a qualidade de manter os poderes da personalidade sujeitos à vontade de Deus, mediante o poder do Espírito Santo (cf. Gálatas 5.13)” (RIENECKER F. & ROGERS, C. Chave Lingüística do Novo Testamento Grego. São Paulo: Vida Nova, 1988. p. 430).

Jesus disse que os mansos são bem-aventurados e herdarão a terra (cf. Mateus 5.5). Ela é “o freio da ira”. É oposta à precipitação, à malícia, à revanche e ao falar torpe. Ela é o ornamento de um cristão (cf. 1 Pedro 3.4).

Se a mansidão é tudo o que já vimos, então significa que ela é submissão sob provocação, é a disposição de sofrer injúria ao invés de praticá-la. Jesus foi o grande exemplo a ser seguido, aliás, como sempre. Foi constantemente injuriado, mas não pagou com injúria. Por isso não devemos pagar o mal com o mal, ou injúria com injúria (cf. 1 Pedro 3.9), pois “se, pelo nome de Cristo, sois injuriados, bem-aventurados sois, porque sobre vós repousa o Espírito da glória e de Deus” (1 Pedro 4.14). Mas, por que retribuímos com o mal quando somos injuriados? Por que nunca estamos dispostos a sofrer as injúrias? Será que ainda vivemos sob a filosofia mundana de “não levar desaforo pra casa”?
O novo homem, aquele que foi alcançado pela graça de Deus, tem a mansidão como fruto de sua eleição.

5. A quinta virtude é um coração cheio de ternos afetos de longanimidade
Como vimos até agora, todas as atitudes exigidas por Deus na vida do salvo podem ser encontradas primeira mente em Deus. Isso é verdade também quanto à longanimidade. Deus é o Deus da longanimidade, também conhecida como paciência. Paulo afirmou: “Que diremos, pois, se Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita longanimidade os vasos de ira, preparados para a perdição” (Romanos 9.22).
“A longanimidade caracteriza a pessoa que, diante daqueles que a molestam, mostra paciência, recusando-se a ceder a ceder à violência ou a explosões de raiva ... a longanimidade é manifestada na atitude da pessoa, não a coisas, mas a pessoas” (HENDRIKSEN, W. Comentário do Novo Testamento: Colossenses e Filemon. São Paulo, CEP, 1993. p. 78). “Denota a mente que se controla durante um longo tempo antes de agir. Indica sofrer injustiças ou passar por situações desagradáveis, sem vingança ou retaliação, mas com a visão ou esperança de um alvo final” (RIENECKER F. & ROGER S, C. Chave Lingüística do Novo Testamento Grego. São Paulo: Vida Nova, 1988. p. 430).

Se a longanimidade, ou paciência, é um autocontrole durante um longo tempo antes de agir, “ela não pode ser nem um centímetro mais curta do que a aflição. Necessitamos exercitá-la continuamente, pois verdade é que vivemos uma época de escassez de paciência. Isso pode ser notado na escassez da paciência na família, no trabalho, na escola ou faculdade, na igreja, na sociedade como um todo e, por que não dizer, na vida de oração. Normalmente, não sabemos esperar.

Como seria o mundo se fôssemos um pouco mais pacientes? Como seria a igreja se fôssemos um pouco mais pacientes?
O novo homem, aquele que foi alcançado pela graça de Deus, tem a longanimidade como fruto de sua eleição.

Para encerrar, devo dizer-lhes que a eleição não é um encorajamento para o viver de qualquer maneira. Quem pensa assim é porque ainda compreendeu a verdade dos fatos. Pelo contrário, a eleição produz na vida dos homens uma série de virtudes que somente pela graça de Deus poderão ser alcançadas, até porque, naturalmente, o homem é avesso a elas. Dentre elas, destaquei a misericórdia, a bondade, a humildade, a mansidão e a longanimidade. Essas virtudes precisam ser encorajadas diariamente na igreja e exercitadas com todo o vigor de nossas almas. Somente assim Deus poderá ser glorificado em nossas vidas.

Postado por Paulo César Valle

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