A SALVAÇÃO PELA GRAÇA
“E disse a Jesus: Senhor, lembra-te de mim quando entrares no
teu reino. E disse-lhe Jesus: Em verdade
te digo que hoje estarás comigo no Paraíso” (Lucas 23. 42,43).
A salvação pela graça — soberana, irresistível, livre graça —
é ilustrada no Novo Testamento tanto por exemplo quanto por preceito. Talvez os
dois casos mais contundentes de todos sejam os de Saulo de Tarso e do Ladrão
Agonizante. E esse último é até mais digno de nota que o primeiro. No caso de
Saulo, que posteriormente tornou-se Paulo, apóstolo dos gentios, havia um
caráter moral exemplar, para começo de conversa. Escrevendo anos depois sobre
sua condição antes da conversão, o apóstolo declarou que, no tocante à justiça
da lei, ele era “irrepreensível” (Fp 3.6). Ele era um “fariseu dos fariseus”:
meticuloso em seus hábitos, correto em seu procedimento. Moralmente, seu
caráter era imaculado. Após a conversão, sua vida foi de justiça no padrão
evangélico. Constrangido pelo amor de Cristo, consumiu-se na pregação do
Evangelho aos pecadores e no labor da edificação dos santos.
Sem dúvida, nossos
leitores concordarão conosco quando dizemos que provavelmente Paulo estivesse
mais perto de atingir os ideais da vida cristã, e que ele seguiu após seu
Mestre mais perto do que qualquer outro santo desde então. Mas com o ladrão
salvo foi, de longe, de outra forma. Ele não tinha vida moral alguma antes de
sua conversão e nenhuma de serviço ativo depois. Antes dela ele não respeitava
nem a lei de Deus nem a dos homens. Após sua conversão, ele morreu sem ter
oportunidade de se ocupar no serviço de Cristo. Enfatizarei isso, porque essas
são as duas coisas que são consideradas por tantos como fatores que contribuem
para nossa salvação.
Supõe-se que devemos primeiro nos adequar, desenvolvendo um
caráter nobre diante de Deus, que nos receberá como seus filhos, e que depois
dele haver nos recebido, para sermos experimentados, somos meramente postos à
prova, e que, a menos que produzamos uma certa qualidade e quantidade de boas
obras, “cairemos da graça e ficaremos perdidos”. Mas o ladrão agonizante não
teve boa obra alguma, seja antes ou depois da conversão. Em consequência, somos
levados à conclusão que, se ele foi salvo em absoluto, certamente o foi pela
soberana graça.
A salvação do ladrão agonizante também arranja um outro apoio
para que o legalismo da mente carnal se interponha para roubar de Deus a glória
devida à sua graça. Em vez de atribuir a salvação dos pecadores perdidos à
inigualável graça divina, muitos cristãos professos procuram explicá-las pelas
influências humanas, instrumentalidades e circunstâncias. Seja o pregador,
sejam circunstâncias providenciais ou propícias, sejam as orações dos crentes,
tudo isso é visto como a causa principal.
Que não sejamos mal entendidos aqui. É verdade que Deus com
frequência se agrada de usar meios para a conversão dos pecadores; que amiúde
condescende em abençoar nossas orações e esforços para levar pecadores a
Cristo; que, muitas vezes, ele faz com que suas providências despertem e
sacudam os ímpios para a percepção de seus estados. Mas Deus não está preso a
essas coisas. Ele não está limitado às instrumentalidades humanas. Sua graça é
toda poderosa e, quando lhe agrada, ela é capaz de salvar apesar da falta
daquelas, e a despeito das circunstâncias desfavoráveis. Assim foi no caso do
ladrão salvo.
Considere:
Sua conversão ocorreu numa época quando, exteriormente,
parecia que Cristo havia perdido todo o poder para salvar, seja a si mesmo ou a
outros. Esse ladrão havia marchado ao lado do Salvador através das ruas de
Jerusalém e o tinha visto sucumbir sob o peso da cruz! É altamente provável
que, como sua ocupação fosse a de ladrão e assaltante, esse fosse o primeiro
dia que em que ele punha seus olhos no Senhor Jesus e, agora que o via, era sob
toda a circunstância de fraqueza e desgraça. Seus inimigos estavam triunfando
sobre ele. A maior parte de seus amigos o havia abandonado. A opinião
pública estava unanimemente contra ele. Sua própria crucificação foi
considerada como totalmente inconsistente com sua messianidade. Sua condição
humilde foi uma pedra de tropeço aos judeus desde mesmo o início, e as
circunstâncias de sua morte devem ter intensificado isso, especialmente a alguém
que nunca o havia visto senão em tal condição. Mesmo aqueles que tinham crido
nele foram levados à dúvida por causa de
sua crucificação.
Não havia ninguém na multidão que estivesse ali com o dedo
apontando para ele e gritando: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do
mundo!”. E,
todavia, não obstante tais obstáculos e dificuldades no caminho de sua fé, o
ladrão apreendeu a condição de Salvador e o Senhorio de Cristo. Como podemos
explicar tal fé e tal compreensão espiritual em alguém em circunstâncias tais
como a que se encontrava? Como podemos explicar o fato de que esse ladrão
agonizante tomou um homem em sofrimento, sangrando e crucificado por seu Deus!
Não pode ser explicado senão por intervenção divina e operação sobrenatural.
Sua fé em Cristo foi um milagre da graça!
É para ser notado ainda que a conversão do ladrão ocorreu
antes dos fenômenos sobrenaturais daquele dia. Ele exclamou: “Senhor, lembra-te
de mim” antes das horas de trevas, antes do brado triunfante, “Está consumado”,
antes do véu do templo se rasgar, antes do tremor de terra e do despedaçar das
rochas, antes da confissão do centurião: “Na verdade, este era Filho de Deus”.
Deus intencionalmente colocou sua conversão antes de tais
coisas de modo que sua soberana graça pudesse ser engrandecida e seu soberano
poder reconhecido. Ele calculadamente escolheu salvar esse ladrão sob as
circunstâncias mais desfavoráveis para que nenhuma carne se glorie em sua
presença. Ele deliberadamente dispôs essa combinação de condições e ambiente não
propícios para nos ensinar que “a salvação é do Senhor”; para nos
ensinar a não engrandecer a instrumentalidade humana acima da ação divina; para
nos ensinar que toda conversão genuína é o produto direto da operação
sobrenatural do Espírito Santo. Consideraremos agora o ladrão em si mesmo, suas
várias declarações, seu pedido ao Salvador, e a resposta de nosso Senhor. (leia amanhã a sequencia deste estudo).
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