terça-feira, 12 de março de 2013

OS SETE BRADOS DO SALVADOR SOBRE A CRUZ – ARTHUR W PINK (25)


“E junto à cruz de Jesus estava sua mãe, e a irmã de sua mãe” (João 19. 25).

 

 
3. Aqui vemos que João retornara ao lado do Salvador.

 Com exceção, naturalmente, do sofrimento de Cristo na mão de Deus, talvez a escória mais amarga de todas no copo em que ele bebeu fosse o seu abandono por parte dos apóstolos. Foi ruim o bastante e triste o bastante o fato de seu próprio povo, os judeus, desprezarem e rejeitarem-no; porém, de longe pior foi os Onze, que o haviam acompanhado por tanto tempo, desertarem de seu Senhor na hora da crise. Alguém pensaria que sua fé e seu amor fossem iguais mesmo nos sobressaltos. Mas não foram. “Todos... deixando-o, fugiram” (Mt 26.56), é o que traz a narrativa sacra.

Indizivelmente trágico isso. Seu fracasso em “vigiar” com ele por uma hora no Jardim bem que quase paralisa nossas mentes, mas o afastar-se dele na hora de sua prisão quase desconcerta a nossa compreensão. Quase, dizemo-lo, pois se não tivermos aprendido por amarga experiência o engano que há em nossos corações, quão débil é a nossa fé, quão lamentavelmente fracos nós somos na hora da provação e do teste! Mas, pela graça divina, a menor das ninharias é suficiente para nos vencer. Tirado o poder retentor e sustentador de Deus, por quanto tempo nós aguentaríamos?

O Senhor Jesus havia solenemente avisado esses discípulos de sua covardia próxima: “Então Jesus lhes disse: Todos vós esta noite vos escandalizareis em mim; porque está escrito: Ferirei o pastor, e as ovelhas do rebanho se dispersarão” (Mt 26.31). E não apenas Pedro, mas todos os apóstolos afirmaram sua determinação de ficar ao lado dele:  “Disse-lhe Pedro: Ainda que me seja mister morrer contigo, não te negarei. E todos os discípulos disseram o mesmo” (Mt 26.35).

Entretanto, sua palavra se provou verdadeira, e eles todos desertaram dele de modo desprezível. E como isso refletia sobre sua glória! Pela fuga pecaminosa, eles expuseram o Senhor Jesus ao desprezo e troças dos seus inimigos. É por causa disso que lemos: “O sumo sacerdote interrogou Jesus acerca dos seus discípulos” (Jo 18.19). Nem é preciso complementar a frase. Sem dúvida, Caifás o inquiriu sobre quantos discípulos ele tivera, e o que era feito deles agora? E qual foi a razão por que abandonaram seu Mestre, e o deixaram se arranjar sozinho quando surgiu o perigo? Mas observe que, para essa questão, o Salvador não deu resposta alguma. Ele não os acusaria ao inimigo comum ainda que eles tivessem desertado dele.

Eles o abandonaram porque ficaram “ofendidos” por causa dele: “Todos vós ficareis ofendidos por causa de mim esta noite” (Mt 26.31, KJV): a palavra grega aqui traduzida por “ofendido” pode bem ser vertida “escandalizado” [1]. Ficaram com vergonha de serem achados em sua companhia. Eles julgaram não ser mais seguro permanecer com ele. Como ele se entregou, consideraram aconselhável se prevenir o quanto pudessem, e em algum lugar ou outro se refugiarem da presente tempestade que se abatera sobre ele. Isso forma o lado humano.  Da parte divina, o abandono de Cristo por eles era devido à suspensão da graça preservadora e sustentadora de Deus. Eles não estavam acostumados a abandoná-lo. Nunca o fariam mais tarde. Jamais teriam agido assim nesse momento se tivesse havido influências de poder, zelo e amor vindas do céu sobre eles. Mas então como poderia Cristo ter carregado o fardo e a cólera daquele dia?

Como deveria ele ter pisado o lagar sozinho? Como deveriam suas dores ter ficado sem lenitivo se eles houvessem aderido fielmente a ele? Não, não, não o deve ser. Cristo não deve ter o menor alívio ou conforto de qualquer criatura e, por essa razão, para que ele pudesse ser deixado sozinho com a ira de Deus e do homem, o Senhor por um tempo retém suas influências revigorantes deles; e então, como Sansão, quando teve cortado os cachos de sua cabeleira, ficaram tão fracos como os outros homens. “Fortalecei-vos no Senhor e na força do seu poder”, diz o apóstolo [2] — se tal é retido, nossos desígnios e resoluções se derretem diante da tentação como a neve diante do sol. Todavia, observe que a covardia e a infidelidade dos apóstolos foi apenas temporária. Mais tarde, eles o buscaram no lugar assinalado na Galiléia (Mt 28.16).

Mas não é motivo de regozijo saber que um dos onze procurou sim a ele antes de sua ressurreição triunfante do túmulo? Sim, foi procurado enquanto ainda pendia na cruz de vergonha! E quem se poderia supor que fosse? Qual do pequeno grupo dos apóstolos deve demonstrar a superioridade de seu amor? Mesmo se a narrativa sagrada houvesse ocultado sua identidade, não teria sido algo difícil fornecer seu nome.

O fato ora considerado na escritura mostra-nos João ao pé da cruz, e é uma testemunha silenciosa porém suficiente da divina inspiração da Bíblia. É uma daquelas harmonias não intencionadas da palavra que atesta a origem sobrehumana das escrituras. Não há indicação alguma que qualquer outro dos onze estivesse ao redor da cruz, mas o leitor atento esperaria achar ali “o discípulo a quem Jesus amava” [3]. E lá estava ele. João retornara ao lado do Salvador, e ali recebe dele uma bendita comissão. Quão natural e quão perfeita é a silenciosa harmonia da escritura!

E agora, mais uma vez, uma breve palavra de exortação. Há alguém que lê estas linhas que esteja se apartando do lado do Salvador, que não mais esteja desfrutando da doce comunhão com ele; que, em uma palavra, esteja desviado? Talvez na hora da prova você o tenha negado. Talvez na hora do teste você falhou. Você pensa mais nos seus próprios interesses que nos dele.

A honra do nome dele, que você porta, foi perdida de vista. Ó, que a flecha da convicção agora entre em sua consciência. Possa a divina graça enternecer o seu coração. Possa o poder de Deus trazê-lo de volta a Cristo, onde somente sua alma pode encontrar satisfação e paz. Aqui há encorajamento para você. Cristo não repreendeu João por retornar; antes, sua maravilhosa graça concedeu-lhe um inefável privilégio. Cesse então de suas perambulações e volte imediatamente a Cristo, e ele o saudará com uma palavra de boas vindas e de alegria; e quem sabe se ele não tem uma honrosa comissão aguardando por você!

 
pastorvanderleifaria@yahoo.com.br


[1] Nota do tradutor: o autor se fixa sempre na tradicionalíssima Bíblia inglesa King James Version e, por não termos uma edição portuguesa que a ela corresponda integralmente aqui, preferimos fazer a tradução direta. Porém, as nossas versões vernáculas trazem os termos “escândalo”, “tropeço”, ou “escandalizar”, “tropeçar”, bem mais adequados. Acontece que, na época em que a KJV foi entregue, o verbo to offend tinha o sentido de levar a tropeçar ou a pecar.
[2] Nota do tradutor: Efésios 6.10.
[3] Nota do tradutor: João 21.20.

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