“E junto à cruz de Jesus estava sua mãe, e a irmã de sua mãe”
(João 19. 25).
3. Aqui vemos que João retornara ao lado do Salvador.
Indizivelmente trágico isso. Seu fracasso em “vigiar” com ele
por uma hora no Jardim bem que quase paralisa nossas mentes, mas o afastar-se
dele na hora de sua prisão quase desconcerta a nossa compreensão. Quase,
dizemo-lo, pois se não tivermos aprendido por amarga experiência o engano que
há em nossos corações, quão débil é a nossa fé, quão lamentavelmente fracos nós
somos na hora da provação e do teste! Mas, pela graça divina, a menor das
ninharias é suficiente para nos vencer. Tirado o poder retentor e sustentador
de Deus, por quanto tempo nós aguentaríamos?
O Senhor Jesus havia solenemente avisado esses discípulos de
sua covardia próxima: “Então Jesus lhes disse: Todos vós esta noite vos
escandalizareis em mim; porque está escrito: Ferirei o pastor, e as ovelhas do
rebanho se dispersarão” (Mt 26.31). E não apenas Pedro, mas todos os apóstolos
afirmaram sua determinação de ficar ao lado dele: “Disse-lhe Pedro: Ainda que me seja mister
morrer contigo, não te negarei. E todos os discípulos disseram o mesmo” (Mt
26.35).
Entretanto, sua palavra se provou verdadeira, e eles todos
desertaram dele de modo desprezível. E como isso refletia sobre sua glória!
Pela fuga pecaminosa, eles expuseram o Senhor Jesus ao desprezo e troças dos
seus inimigos. É por causa disso que lemos: “O sumo sacerdote interrogou Jesus
acerca dos seus discípulos” (Jo 18.19). Nem é preciso complementar a frase. Sem
dúvida, Caifás o inquiriu sobre quantos discípulos ele tivera, e o que era
feito deles agora? E qual foi a razão por que abandonaram seu Mestre, e o
deixaram se arranjar sozinho quando surgiu o perigo? Mas observe que, para essa
questão, o Salvador não deu resposta alguma. Ele não os acusaria ao inimigo
comum ainda que eles tivessem desertado dele.
Eles o abandonaram porque ficaram “ofendidos” por causa dele:
“Todos vós ficareis ofendidos por causa de mim esta noite” (Mt 26.31, KJV): a
palavra grega aqui traduzida por “ofendido” pode bem ser vertida
“escandalizado” [1]. Ficaram com
vergonha de serem achados em sua companhia. Eles julgaram não ser mais seguro
permanecer com ele. Como ele se entregou, consideraram aconselhável se prevenir
o quanto pudessem, e em algum lugar ou outro se refugiarem da presente
tempestade que se abatera sobre ele. Isso forma o lado humano. Da parte divina, o abandono de Cristo por
eles era devido à suspensão da graça preservadora e sustentadora de Deus. Eles
não estavam acostumados a abandoná-lo. Nunca o fariam mais tarde. Jamais teriam
agido assim nesse momento se tivesse havido influências de poder, zelo e amor
vindas do céu sobre eles. Mas então como poderia Cristo ter carregado o fardo e
a cólera daquele dia?
Como deveria ele ter pisado o lagar sozinho? Como deveriam
suas dores ter ficado sem lenitivo se eles houvessem aderido fielmente a ele?
Não, não, não o deve ser. Cristo não deve ter o menor alívio ou conforto de
qualquer criatura e, por essa razão, para que ele pudesse ser deixado sozinho
com a ira de Deus e do homem, o Senhor por um tempo retém suas influências
revigorantes deles; e então, como Sansão, quando teve cortado os cachos de sua
cabeleira, ficaram tão fracos como os outros homens. “Fortalecei-vos no Senhor
e na força do seu poder”, diz o apóstolo [2] — se tal
é retido, nossos desígnios e resoluções se derretem diante da tentação como a
neve diante do sol. Todavia, observe que a covardia e a infidelidade dos
apóstolos foi apenas temporária. Mais tarde, eles o buscaram no lugar
assinalado na Galiléia (Mt 28.16).
Mas não é motivo de regozijo saber que um dos onze procurou
sim a ele antes de sua ressurreição triunfante do túmulo? Sim, foi procurado
enquanto ainda pendia na cruz de vergonha! E quem se poderia supor que fosse?
Qual do pequeno grupo dos apóstolos deve demonstrar a superioridade de seu
amor? Mesmo se a narrativa sagrada houvesse ocultado sua identidade, não teria
sido algo difícil fornecer seu nome.
O fato ora considerado na escritura mostra-nos João ao pé da
cruz, e é uma testemunha silenciosa porém suficiente da divina inspiração da
Bíblia. É uma daquelas harmonias não intencionadas da palavra que atesta a
origem sobrehumana das escrituras. Não há indicação alguma que qualquer outro
dos onze estivesse ao redor da cruz, mas o leitor atento esperaria achar ali “o
discípulo a quem Jesus amava” [3]. E lá
estava ele. João retornara ao lado do Salvador, e ali recebe dele uma bendita
comissão. Quão natural e quão perfeita é a silenciosa harmonia da escritura!
E agora, mais uma vez, uma breve palavra de exortação. Há
alguém que lê estas linhas que esteja se apartando do lado do Salvador, que não
mais esteja desfrutando da doce comunhão com ele; que, em uma palavra, esteja
desviado? Talvez na hora da prova você o tenha negado. Talvez na hora do teste
você falhou. Você pensa mais nos seus próprios interesses que nos dele.
A honra do nome dele, que você porta, foi perdida de vista.
Ó, que a flecha da convicção agora entre em sua consciência. Possa a divina
graça enternecer o seu coração. Possa o poder de Deus trazê-lo de volta a
Cristo, onde somente sua alma pode encontrar satisfação e paz. Aqui há
encorajamento para você. Cristo não repreendeu João por retornar; antes, sua
maravilhosa graça concedeu-lhe um inefável privilégio. Cesse então de suas
perambulações e volte imediatamente a Cristo, e ele o saudará com uma palavra
de boas vindas e de alegria; e quem sabe se ele não tem uma honrosa comissão
aguardando por você!
[1] Nota do tradutor: o autor se fixa sempre na
tradicionalíssima Bíblia inglesa King James Version e, por não termos uma
edição portuguesa que a ela corresponda integralmente aqui, preferimos fazer a
tradução direta. Porém, as nossas versões vernáculas trazem os termos
“escândalo”, “tropeço”, ou “escandalizar”, “tropeçar”, bem mais adequados.
Acontece que, na época em que a KJV foi entregue, o verbo to offend tinha o
sentido de levar a tropeçar ou a pecar.
[2] Nota do tradutor: Efésios 6.10.
[3] Nota do
tradutor: João 21.20.
Nenhum comentário:
Postar um comentário