“Tenho sede”
1. Temos aqui uma
prova da humanidade de Cristo.
O Senhor Jesus era
Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, mas também foi homem verdadeiro vindo de
homem verdadeiro. Isso é algo para ser crido e não para que a orgulhosa razão
sobre ele especule. A pessoa de nosso adorável Salvador não é um objeto
adequado para a diagnose intelectual; antes, devemos nos curvar diante dele em
adoração. Ele mesmo nos avisou: “Ninguém conhece o Filho, senão o Pai” (Mt
11.27). E outra vez o Espírito de Deus, através do apóstolo Paulo, declara: “E
evidentemente é grande o mistério da piedade com que Deus se manifestou em
carne” (1Tm 3.16, Vulgata[1]).
Enquanto pois há muita coisa acerca da pessoa de Cristo que nos é insondável ao
próprio entendimento, todavia, tudo que há sobre ele é para se admirar e
prestar adoração: em primeiro lugar, sua deidade e humanidade, e a perfeita
união dessas duas em uma única pessoa. O Senhor Jesus não foi um homem divino,
nem um Deus humanizado; foi o Deus-homem. Para sempre Deus, e agora para sempre
homem. Quando o Amado do Pai encarnou-se, não cessou de ser Deus, nem pôs de
lado nenhum de seus atributos divinos, ainda que tenha se despojado da glória
que tinha com o Pai antes de haver o mundo. Mas na encarnação, o Verbo se fez
carne e tabernaculou [2] entre os
homens. Ele não deixou de ser tudo o que era anteriormente, mas tomou para si o
que não tinha antes — humanidade perfeita.
A deidade e a
humanidade do Salvador foram, cada uma delas, contempladas na predição
messiânica. A profecia representava aquele que havia de vir, ora como divino,
ora como humano. Ele era o “Renovo do Senhor” (Is 4.2). Ele era o Maravilhoso
Conselheiro, o Deus forte, o Pai dos séculos (Hebreus[3]), o
“Príncipe da paz” (Is 9.6). Aquele que haveria de sair de Belém e ser rei em
Israel, era aquele cujas saídas são desde os dias da eternidade (Mq 5.2). Ele
era ninguém menos do que o próprio Jeová que apareceria de repente no templo
(Ml 3.1).
Todavia, por outro
lado, ele era a “semente” da mulher (Gn 3.15); um profeta como Moisés (Dt
18.18); um descendente da linhagem de Davi (2Sm 7.12,13). Ele era o “servo” de
Jeová (Is 42.1). Ele era o “homem de dores” (Is 53.3). E é no Novo Testamento
que nós vemos esses dois diferentes grupos de profecias harmonizados. Aquele
nascido em Belém era o Verbo divino.
A Encarnação não significa que Deus se
manifestou como um homem. O Verbo se fez carne; tornou-se o que não era antes,
ainda que nunca cessasse de ser tudo o que fora anteriormente. Aquele que era
em forma de Deus e que não teve por usurpação ser igual a Deus “aniquilou-se a
si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens” (Fp
2.6,7). O bebê de Belém era Emanuel — Deus conosco —, era mais do que uma
manifestação de Deus, ele era Deus manifestado em carne. Era tanto Filho de
Deus como Filho do Homem.
Não duas
personalidades separadas, mas uma pessoa possuindo as duas naturezas — a divina
e a humana. Enquanto aqui na terra, o Senhor Jesus deu provas completas de sua
divindade. Ele falava com sabedoria divina, ele agia em santidade divina, ele
exibia poder divino, e ele mostrava amor divino. Ele lia as mentes dos homens,
movia seus corações e compelia-os em suas vontades. Quando a ele agradava
exercer seu poder, toda a natureza ficava sujeita ao seu mando. Uma palavra
dele e a enfermidade saía, uma tempestade era acalmada, o demônio partia, o
morto retornava à vida. Tão verdadeiramente era ele Deus manifesto em carne,
que podia dizer: “Quem vê a mim vê o Pai”.[4]
Assim, também, quando tabernaculava entre os
homens, o Senhor Jesus dava total prova de sua humanidade — humanidade sem
pecado. Ele adentrou a esse mundo como bebê e estava envolto em panos (Lc 2.7).
Quando criança, é-nos dito, ele “crescia... em sabedoria, e em estatura” (Lc
2.52). Quando menino, encontramo-lo “interrogando” os doutores (Lc 2.46).
Quando homem, seu corpo esteve “cansado” (Jo 4.6). Ele “teve fome” (Mt 4.2).
Ele dormiu (Mc 4.38). Ele ficou “admirado” (Mc 6.6). Ele “chorou” (Jo 11.35).
Ele “orava” (Mc 1.35). Ele “se alegrou” (Lc 10.21). Ele “gemeu internamente”
(Jo 11.33, Vulgata[5]). E aqui
em nosso texto ele clamou: “Tenho sede”.
Isso demonstrava sua humanidade. Deus
não tem sede. Os anjos também não. Não a teremos na glória: “Nunca mais terão fome, nunca mais terão
sede” (Ap 7.16). Mas temos sede agora, porque somos humanos e estamos vivendo
num mundo de dor. E Cristo ficou sedento porque era homem: “Pelo que convinha
que em tudo fosse semelhante aos irmãos” (Hb 2.17).
pastorvanderleifaria@yahoo.com.br
[1] Nota do
tradutor: Na versão portuguesa de D. Vicente M. Zioni (Novo Testamento Edições
Paulinas).
[2] Nota do
tradutor: Tradução alternativa de João 1.14, escolhida pelo autor, pouco comum
mas perfeitamente válida.
[3] Nota do tradutor: Cf. capítulo primeiro da Epístola.
[4] Nota do
tradutor: João 14.9.
[5] Nota do
tradutor: Na versão portuguesa de D. Vicente M. Zioni (Novo Testamento Edições
Paulinas).
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