“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”
1. Aqui vemos a enormidade do pecado e o caráter de seu
salário.
O Senhor Jesus foi crucificado ao meio dia, e na luz do
Calvário tudo foi revelado em seu verdadeiro caráter. Ali, a própria natureza
das coisas foi plena e finalmente exibida. A depravação do coração humano — seu
ódio por Deus, sua ingratidão abjeta, seu amor às trevas no lugar da luz, sua
preferência por um assassino no lugar do Príncipe da vida — foi horrivelmente
mostrada. O terrível caráter do diabo — sua hostilidade contra Deus, sua insaciável
inimizade contra Cristo, seu poder de pôr no coração do homem a traição ao
Salvador — foi plenamente exposta. Assim, também, as perfeições da natureza
divina — a inefável santidade de Deus, sua justiça inflexível, sua ira
terrível, sua graça sem par — foi de todo conhecida. E ali também foi que o
pecado — sua vileza, sua torpeza, sua não sujeição a leis — foi claramente
exibido.
Aqui nós vemos a horrenda extensão a que o pecado chegará. Em
sua primeira manifestação ele tomou a forma de suicídio, pois Adão destruiu sua
própria vida espiritual; em seguida o vemos em forma de fratricídio — Caim
matando seu próprio irmão; mas na cruz o clímax é atingido, com o deicídio — o
homem crucificando o Filho de Deus. Porém,
não apenas vemos a hediondez do pecado na cruz, mas ali também descobrimos o
caráter de seu horrível pecado. “O salário do pecado é a morte” (Rm 6.23).
A
morte é a herança do pecado. “Por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo
pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens por isso que
todos pecaram” (Rm 5.12). Não houvesse pecado nenhum, não haveria morte alguma.
Mas o que é “morte”? É aquele pavoroso silêncio que reina supremo após se dar o
último fôlego e o corpo ficar sem movimentos? É aquela cadavérica palidez que
vem sobre a face quando o sangue cessa de circular e os olhos ficam sem
expressão? Sim, é isso, mas muito mais. Algo de longe mais patético e trágico
do que a dissolução física está contido no termo.
O salário do pecado é a morte espiritual. O pecado separa de
Deus, que é a fonte de toda vida. Isso foi manifestado no Éden. Antes da Queda,
Adão desfrutava de bendita companhia com seu Criador, mas na própria véspera
daquele dia que marcou a entrada do pecado em nosso mundo, enquanto o Senhor
Deus entrava no Jardim e sua voz era ouvida por nossos primeiros pais, o par
culpado escondeu-se entre as árvores do lugar. Não mais poderiam eles gozar de
comunhão com ele que é sempre Luz, antes, ficaram alienados dele. Assim,
também, se deu com Caim: quando interrogado pelo Senhor ele disse: “Da tua face
me esconderei” (Gn 4.14).
O pecado exclui da presença de Deus. Essa foi a
grande lição ensinada a Israel. O trono de Jeová estava no meio deles, todavia
não era mais acessível. Ele habitava entre os querubins no santo dos santos e a
esse ninguém poderia chegar, com exceção do sumo sacerdote, e ele, apenas um
dia por ano, levando sangue consigo. O véu pendurado tanto no tabernáculo
quanto no templo, vedando o acesso ao trono divino, testemunhava o solene fato
de que o pecado separa dele.
O salário do pecado é a morte, não somente física, mas
espiritual; não meramente natural mas, essencialmente, morte penal. O que é
morte física? É a separação da alma e do espírito do corpo. Assim, a morte
penal é a separação da alma e do espírito de Deus. A palavra da verdade fala
daquela que vive em prazer como “embora viva, está morta” (1Tm 5.6, ARA).
Repare, ainda, como a maravilhosa parábola do filho pródigo ilustra a força do
termo “morte”.
Após o retorno do pródigo o pai disse: “Este meu filho estava
morto, e reviveu, tinha-se perdido, e foi achado” (Lc 15.24). Enquanto ele
estava na “terra longínqua”, não havia cessado de existir; não, ele não estava
morto fisicamente, mas espiritualmente — estava alienado e separado de seu pai!
Agora, na cruz, o Senhor Jesus estava recebendo o salário que era devido por
seu povo. Ele não tinha pecado algum que fosse seu, pois era o Santo de Deus.
Mas estava levando nossos pecados em seu próprio corpo no madeiro (1Pd 2.24).
Ele tinha tomado o nosso lugar e estava padecendo o Justo pelo injusto. Ele
estava carregando o castigo que nos traz a paz [1]; e o
salário de nossos pecados, o sofrimento e castigo que era devido a nós, era
“morte”. Não meramente física, mas penal; e, como dissemos, isso significava
separação de Deus, e daí o Salvador ter clamado: “Deus meu, Deus meu, por que
me desamparaste?” Assim, também, será com aquele que for impenitente até o fim.
O pavoroso destino que aguarda o perdido é, dessa forma, exposto: “os quais
sofrerão, como castigo, a perdição eterna, banidos da face do senhor e da
glória do seu poder” (2Ts 1.9, ARA).
Separação eterna daquele que é a fonte de todo bem e a origem
de toda bênção. Ao ímpio, Cristo dirá: “Apartai-vos de mim, malditos” [2] —
banimento de sua presença, um eterno exílio de Deus, é o que espera o condenado
eternamente. Essa é a razão por que o Lago de Fogo — a eterna morada daqueles
cujos nomes não estão escritos no livro da vida — é designada “A Segunda Morte”
(Ap 20.14). Não que haverá extinção do ser, mas separação eterna do Senhor da
Vida, uma separação a qual Cristo sofreu por três horas enquanto estava
pendurado no lugar do pecador. Na cruz, então, Cristo recebeu o salário do
pecado.
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