“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”
3. Vemos aqui a explicação do Getsêmane.
À medida que nosso bendito Senhor se aproximava da cruz o
horizonte para ele se escurecia mais e mais. Desde a mais tenra infância ele
havia sofrido por causa do homem; desde o princípio de seu ministério público
ele havia sofrido por causa de Satanás; porém, na cruz ele devia sofrer na mão
de Deus. O próprio Jeová devia ferir o Salvador, e era isso que obscurecia tudo
o mais. No Getsêmane ele adentrou na escuridão das três horas de trevas na
cruz. Eis o porquê de ele deixar os três discípulos nas imediações do jardim,
pois ele devia pisar o lagar sozinho. “A minha alma está profundamente triste” [1], ele
clamou. Isso não era recuar, horrorizado, antecipando uma morte cruel. Não era
o pensamento da traição por seu próprio amigo com quem estava familiarizado,
nem da deserção por seus estimados discípulos na hora da crise, nem da expectativa
das zombarias e ultrajes, dos açoites e dos pregos, que oprimia sua alma. Não,
toda essa angústia da mais severa ao seu espírito sensível, nada era se
comparada com a que ele teve de suportar como Portador do Pecado.
“Então chegou Jesus com eles a um lugar chamado Getsêmane, e
disse aos seus discípulos: Assentai-vos aqui, enquanto vou além orar. E levando
consigo Pedro e os dois filhos de Zebedeu, começou a entristecer-se e a
angustiar-se muito. Então lhes disse: A minha alma está cheia de tristeza até à
morte; ficai aqui, e velai comigo. E, indo um pouco mais para diante,
prostrou-se sobre o seu rosto, orando e dizendo: Meu Pai, se é possível, passe
de mim este cálice; todavia, não seja como eu quero, mas como tu queres.” (Mt
26.36-39). Aqui ele observa as negras
nuvens surgindo, vê a terrível tempestade chegando, ele premeditava o
inexprimível horror daquelas três horas de trevas e tudo o que elas continham.
“A minha alma está profundamente triste”, ele clama. O grego é mais enfático.
Ele estava cercado de tristeza. Ele estava completamente imerso na ira divina.
Todas as faculdades e poderes de sua alma estavam esmagados pela angústia. S.
Marcos emprega uma outra forma de expressão — “Ele começou a ficar extremamente
atônito” (14.33, KJV).
O original traz o significado de a maior extremidade do
pavor, como a que faz com que alguém ficar de cabelo em pé e o corpo arrepiado.
E, acrescenta Marcos, “e a ficar muito triste”, o que denota que havia um total
abatimento de espírito; seu coração estava derretido como cera à vista do
terrível cálice. Mas o evangelista
Lucas, dentre todos, é o que usa os termos mais fortes: “E, posto em agonia,
orava mais intensamente. E o seu suor tornou-se em grandes gotas de sangue, que
corriam até o chão” (Lc 22.44).
A palavra grega para “agonia” aqui, quer dizer estar
envolvido em um combate. Antes, ele combatera as oposições dos homens e as do
diabo, mas agora ele encara o cálice que Deus lhe dá a beber. Era o que
continha a ira não diluída do ódio divino para com o pecado. Isso explica o
porquê dele dizer: “Se queres, passa de mim este cálice”. O “cálice” é o
símbolo de comunhão, e não poderia haver comunhão alguma em sua ira, mas
somente em seu amor.[2]
Entretanto, ainda que isso significasse ser cortado daquela, ele adiciona:
“Todavia, não se faça a minha vontade, mas a tua”. Todavia, tão grande foi sua
agonia que “seu suor tornou-se em grandes gotas de sangue, que corriam até o
chão”.
Pensamos que não pode haver a menor dúvida de
que o Salvador verteu gotas de sangue de verdade. Seria diminuir aí o
significado dizer que seu suor parecia sangue, mas não o era realmente.
Parece-nos que a ênfase está posta na palavra “sangue”. Ele verteu sangue —
exatamente como grandes gotas de água comumente. E vemos aqui a adequação do
lugar escolhido para ser a cena desse terrível mas preliminar sofrimento.
Getsêmane — ah, teu nome te denuncia! Tem o sentido de prensa de azeite. Era o
lugar onde o sangue vital das olivas era extraído por pressão gota a gota! O
lugar escolhido foi bem nomeado, pois. Era de fato um apropriado escabelo para
a cruz, um escabelo de agonia inexprimível e sem paralelos. Na cruz, então,
Cristo tomou todo o cálice que lhe foi apresentado no Getsêmane.
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