A PALAVRA DE ANGÚSTIA
“Deus meu, Deus meu,
por que me desamparaste?”
Do assassínio do justo Abel àquele de Zacarias houve uma
longa lista de martírios. Mas aquele que pendurado estava na cruz do centro não
era nenhum homem comum, era o Filho do Homem, aquele no qual todas as
excelências se encontravam — o Perfeito. Seu caráter era como sua túnica,
“tecida toda de alto a baixo, [e] não tinha costura”.[1]
“Deus
meu, Deus meu, por que me desamparaste?”
Essas são palavras de estarrecedora miséria. A própria palavra
“desamparaste” é uma das mais trágicas em todas as línguas humanas. O escritor
jamais se esquecerá da sensação que teve ao passar uma vez por uma cidade
deserta, sem habitante algum — uma cidade desamparada. Que calamidades são
conjuradas por tal palavra — um homem desamparado de seus amigos, uma esposa
desamparada de seu marido, uma criança desamparada por seus pais! Mas uma
criatura desamparada por seu Criador, um homem desamparado de Deus — Ó, isso é
o mais horrendo de tudo.
Esse é o mal dos males. Isso é a calamidade
climatérica. Verdade, os homens caídos, em sua condição não renovada, não o
acham. Mas aquele que, pelo menos em certa medida, aprendeu que Deus é a
essência de toda perfeição, a fonte e a meta de toda excelência, cujo clamor é
“Como o cervo brama pelas correntes das águas, assim suspira a minha alma por
ti, ó Deus!” (Sl 42.1), prontamente endossará o que acaba de ser dito. O clamor
dos santos em todas as eras tem sido, “Não nos desampare, ó Deus”.[3]
Pois o Senhor esconder sua face de nós por um momento que seja é insuportável.
Se
isso é verdade quanto aos pecadores regenerados, quão infinitamente mais o é
quanto ao Filho amado do Pai! Aquele que
estava pendurado no madeiro maldito tinha sido desde toda eternidade o objeto do amor do Pai. Empregando a
linguagem de Provérbios 8, o Salvador padecente era aquele que “estava com ele
e era seu aluno”, que estava “cada dia as suas delícias”. Seu próprio gozo fora
contemplar a face do Pai. A
presença do Pai fora seu lar, o seio do Pai o lugar de sua habitação, a glória
do Pai ele compartilhara antes que houvesse o mundo.
Durante os trinta e três
anos que o Filho estivera na terra ele desfrutara de comunhão ininterrupta com
o Pai. Nunca um pensamento que estivesse fora da harmonia com a mente do Pai,
nunca uma volição que não fosse originária da vontade do Pai, nunca um momento
que fosse passado fora de sua presença consciente. O que então deve ter significado
estar por ora “desamparado” por Deus! Ah, o ocultamento da face divina dele foi
o mais amargo ingrediente daquele copo que o Pai tinha dado ao Redentor para
beber.
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