“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”
Essas são palavras de inigualável sentimento. Elas marcam o clímax de seus
sofrimentos. Os soldados haviam cruelmente zombado dele: enfeitaram-no com a
coroa de espinhos, tinham-no açoitado e esbofeteado, tinham até chegado a ponto
de cuspir nele e arrancar seus cabelos. Despojaram-no de seus vestidos e o
expuseram a uma vergonha explícita. Todavia, sofreu tudo isso em silêncio.
Perfuraram suas mãos e seus pés, porém suportou a cruz, a despeito da
ignomínia. A multidão vulgar escarnecia dele, e os ladrões com ele crucificados
lhe lançavam em rosto os mesmos insultos; todavia, não abriu sua boca. Em
resposta a tudo que sofria das mãos dos homens, nenhum clamor escapou de seus
lábios. Mas agora, quando a ira concentrada do céu desce sobre si, ele exclama:
“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” Seguramente, esse era um clamor
que deveria enternecer o mais duro coração!
Essas são palavras do mais profundo mistério. Outrora o Senhor Jeová não abandonava seu povo. Repetidamente ele foi seu refúgio na tribulação. Quando Israel esteve em cruel servidão clamou a Deus, e ele o ouviu. Quando ficou impotente diante do Mar Vermelho, ele veio em seu auxílio e o livrou de seus inimigos. Quando os três hebreus foram lançados dentro da fornalha de fogo, o Senhor esteve com eles. Mas daqui, da cruz, sobe um clamor mais dorido e agonizante do que jamais subira da terra do Egito, entretanto, não ouve resposta alguma! Eis aí uma situação de longe mais alarmante do que a crise do Mar Vermelho: inimigos mais implacáveis cercaram esse, e no entanto não houve livramento algum! Eis aí um fogo que ardia infinitamente mais do que o da fornalha de Nabucodonosor, mas sem ninguém ao seu lado para confortar! Ele é abandonado por Deus!
Não obstante, esse clamor do Salvador
padecente é profundamente misterioso. De início clamou, “Pai, perdoa-lhes,
porque não sabem o que fazem”, e isso podemos compreender, pois está em boa
conformidade com seu coração compassivo. Outra vez abrira ele sua boca, para
dizer ao ladrão penitente, “Em verdade te digo que hoje estarás comigo no
Paraíso”, e isso também podemos entender bem, pois está totalmente de acordo
com sua graça para com os pecadores. Uma vez mais seus lábios se moveram — para
sua mãe, “Mulher, eis aí o teu filho”; para o amado João, “Eis aí tua mãe” — e
isso também podemos apreciar. Porém, na próxima vez em que ele abre sua boca,
um brado nos faz ficar sobressaltados e desconcertados. Outrora disse Davi,
“Nunca vi desamparado o justo”,[1] mas aqui vemos o Justo desamparado.
“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”
Essas são palavras da mais profunda solenidade. Esse foi um clamor que fez a
própria terra estremecer, e que reverberou por todo o universo. Ah, que mente é
suficiente para contemplar essa maravilha das maravilhas! Que mente é capaz de
analisar o sentido desse estupendo clamor que rasgou as trevas medonhas! “Por
que me desamparaste?” são palavras que nos conduzem para dentro do Santo dos
Santos. Aqui, se é que não o é assim também em todo lugar, é supremamente
conveniente que removamos os sapatos da curiosidade carnal. As especulações são
profanas; podemos apenas nos maravilhar e adorar.
Mas, embora tais palavras sejam de importância
chocante, de assustadora miséria, do mais profundo mistério, de singular
sentimento, e de profunda solenidade, entretanto, não somos deixados em
ignorância quanto ao significado. Verdade, tal clamor foi profundamente
misterioso, todavia, é capaz da mais abençoada solução. As Escrituras Sagradas
não deixam margem para dúvidas de que tais palavras de inigualável tristeza
foram tanto a mais completa manifestação do amor divino e da mostra mais
inspiradora de terror da inflexível justiça divina. Possa todo pensamento ser
agora trazido cativo a Cristo e nossos corações ficarem devidamente graves
enquanto analisamos mais de perto esse quarto pronunciamento do Salvador
agonizante.
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