sábado, 21 de março de 2009

UMA DE NÓS

Sozinha e falida, eu estava desesperada por amor. Porém, nunca esperei encontrá-lo num abrigo para sem-teto.

Eu odiava tudo na minha vida.
Depois de 23 anos em um casamento sem amor, com pouco respeito, meu processo de divórcio fora concluído. Eu tinha que deixar a casa dos meus sonhos em Anderson, na Carolina do Sul, e mudar para uma casa dilapidada, de aluguel, numa rua sem saída. E o que era ainda pior, eu combinava com aquela casa horrível. Olhando para o chão desbotado, me sentia feia, usada e falida. Tantos anos passados da minha vida. Todos desperdiçados.

Caindo de joelhos, me joguei no chão e orei: “Deus, me ajude. Se você me tirar dessa, eu sou sua. Farei tudo que o Senhor quiser. Só preciso de três coisas – um trabalho, uma nova vida e ser amada.”

Sem diploma universitário e com pouca experiência profissional, minhas opções eram limitadas. Então uma oportunidade de emprego surgiu através do meu trabalho missionário anterior. Eu iria gerenciar o My Sister’s Place (A casa da minha irmã), um abrigo para mulheres sem-teto e seus filhos. Eu teria um lugar para morar e um salário. Não achei que tivesse muito a oferecer, mas pelo menos seria útil e amada. Parecia bom demais para ser verdade.

Sem rosas no jardim - Num dia muito quente de setembro em 2004, me mudei para uma pequena cidade ao norte da Geórgia. Doei a maioria dos meus pertences para não viajar com muita coisa. Pelo menos estava vestida da maneira certa: short cáqui e uma camiseta. Quando subi a rua em estado precário, orei para que tivesse entrado na rua errada. Então eu a vi. Pintura branca descascando com venezianas de um azul muito forte. Sem rosas como as que eu tinha em casa, apenas dois arbustos eriçados no pequeno quintal da frente. Cabanas se inclinavam tristemente dos dois lados.

“Deus, isto não pode estar acontecendo. Eu pedi uma casa bonita. Algo próximo do que perdi.”
Pensei em ir embora, mas uma das mulheres me viu. Ela olhou pela janela e sorriu, mostrando que faltava um dente. Abrindo a porta da frente, ela disse: “Oi, querida!”. Descalça, ela correu e pegou minha mala. "Meu nome é Gail", se apresentou. Ela passou suas unhas roídas pelo seu cabelo, com uma parte cortada. “Normalmente não tenho esta aparência. Meu namorado estragou meu cabelo”. (Mais tarde, ela confidenciou que ele a trancara em um banheiro por dias e lhe fizera o corte de cabelo para lhe castigar).

Gail me acompanhou na sala atravancada, onde oito mulheres esperavam por mim. Três estavam juntas no sofá esfarrapado; o resto do grupo heterogêneo se juntou ao redor da mesa da cozinha em cadeiras que não combinavam. Depois que me apresentei, Gail me levou ao fundo da casa. Ela sorriu o tempo todo.

Abri as portas que rangeram e olhei para o interior dos quartos das residentes. Ambos eram tristes – quatro camas de solteiro com colchas de chenile puídas. Meu quarto não era muito melhor – pequeno, com velhas cortinas lilases.

No meu primeiro dia no trabalho fiquei exausta. Depois de sair às 7 da manhã para levar uma mulher ao trabalho, levei uma segunda mulher ao seu trabalho no Burger King. Duas horas depois, outra tinha uma audiência. Então, uma outra teve uma infecção nos rins, e corremos para a clínica. No fim da tarde, peguei uma vítima de estupro numa clínica para doentes mentais, retornando finalmente para pegar as duas no trabalho. Naquela noite me joguei em uma poltrona reclinável, me sentindo uma velha cansada.

Sozinha na multidão - My Sister's Place aceitava mulheres viciadas, alcoólatras, doentes mentais, solteiras e divorciadas com filhos e algumas que nunca aprenderam a lidar com dinheiro. As regras da casa eram simples:
• Não minta.
• Mantenha uma boa atitude.
• Sem drogas ou álcool (embora muitas entrem drogadas ou bêbadas).
• Telefonemas limitados a chamadas de 5 minutos por dia.
• Encontre um trabalho que pague 5 dólares por dia para o aluguel.
• Vá à igreja aos domingos.

Eu não exigia perfeição, mas, de algum modo, depois que cheguei, o cuidado com a casa ficou pior. Os trabalhos eram esquecidos e as tarefas feitas pela metade. Depois de um mês, acordei e descobri pratos sujos na pia, formigas andando pelo balcão, camas por fazer e copos na mesa. “Deus, você me enganou – me colocou no comando de um bando de mulheres que agem como adolescentes mimadas”, protestei.

“Nenhuma de vocês aprecia meu trabalho!”, bati no balcão sujo. “Não vêem como estou me esforçando?”. Minhas mãos tremiam enquanto eu jogava os copos tupperware na pia. “Quando é que vocês vão crescer? Não gosto de estar aqui, caso não tenham notado. Se qualquer uma de vocês não quiser ajudar, já sabem onde é a porta”.

Elas se espalharam como ratos. Todas. Exceto Gail. Voltei aos quartos e ordenei às outras que fizessem as camas. Naquela noite, eu fiz peru para o jantar, mais um da nossa coleção. Alguma igreja tinha doado 12.

Depois do jantar, seguimos nossa rotina: Tempo em Família, Devocional e Círculo de Oração. Eu não orei. Nem mesmo dei as mãos a alguém.
Depois que terminamos, saí pela rua na minha van, gritando com Deus. “Isto é muito difícil. Não consigo.” Achei um guardanapo de papel usado debaixo do assento e enxuguei meus olhos. “Eu ainda odeio a minha vida”, solucei. “Estou sozinha, não importa quantas mulheres você coloque comigo.” Deus parecia distante e silencioso.

Eu sou uma delas - Dirigi até quase meia-noite e então voltei para casa. Fiquei de pé na grama úmida e grande na frente da casa, e ouvi risos. Percebi que a balbúrdia vinha de trás da casa. Meus tênis chapinharam quando fui em direção às vozes. Olhando depois da esquina, vi as mulheres. Na escuridão, seus cigarros acesos faziam pontinhos na varanda dos fundos como faróis vermelhos. Eu inalei, lembrando dos dias em que fumara. Havia muito tempo.
“Não sei o que houve com a Sra. Carol, algo a aborreceu hoje”, uma delas disse.
“É, eu é que não vou ficar no caminho dela”, falou a outra.
Então Gail interrompeu: “Vocês todas dêem um tempo a ela. Ela não tem para onde ir. Nós somos a família dela. É como deveríamos tratá-la”.

Não falei com nenhuma delas naquela noite. Sabia que era impossível, jamais poderia ser como elas. Logo cedo na manhã seguinte, ouvi uma batida leve na minha porta. Gail entrou na ponta dos pés com um copo de café: “Aqui, Sra. Carol. Do jeito que você gosta”, ela sorriu e colocou seu cabelo eriçado atrás das orelhas. “Desculpe por ontem. Nós vamos melhorar”.

“Por que você sorri o tempo todo?”, agarrei a caneca e me movi para dar espaço a ela na minha cama. Gail passava a metade do dia em aulas sobre dependência química, depois ia direto para uma lanchonete fritar hambúrgueres.
“Eu tenho tanto”, ela disse.
“Querida, olhe ao seu redor. Você não tem tanto assim”, bati em seu braço magrinho e tatuado.
“Eu tenho você”, ela disse na sua voz gutural. “Estou feliz que esteja aqui. Nós precisamos de você. Muito”. As linhas do riso se formavam ao redor de seus olhos azuis de 47 anos. Linhas como as minhas. Gail me abraçou com toda a sua força. Em seus braços, alguma coisa raivosa dentro de mim começou a derreter.

“Meu doce Senhor. Eu entendo muito mesmo sobre relacionamentos abusivos. O Senhor vem me preparando para este trabalho há anos. Sei como elas se sentem. Eu já estive neste lugar”. Minhas lágrimas molharam o uniforme vermelho de Gail. “Eu sou uma delas”.
“Obrigada, pelo abraço e pelo café”, funguei. “Nós vamos conseguir, minha amiga”.

Rosas, velas e uma boa família - Depois que deixei Gail na reabilitação, dirigi para a cooperativa para pegar comida grátis. Enquanto escolhia, eu orei: “Deus, mostre-me como realmente amar estas mulheres.”

Enchendo a sacola com frutas e legumes, percebi algo que nunca vira. Rosas de talo longo. Elas me lembravam do meu jardim na Carolina do Sul. O homem atrás da mesa disse: “Leve algumas. Todos os dias, se quiser. Elas serão jogadas fora mesmo”. Rosas de graça! Que mulher não ama rosas?

Naquela noite, celebramos com carne de hambúrguer comprada em loja – uma raridade. Eu gastei um tempo e fiz espaguete caseiro e achei um vaso debaixo da pia para as rosas, que eram cor-de-rosa. Sorrindo, arranjei velas doadas sobre a mesa. “Isto parece especial. Algo que eu adoraria.”

“Atenção, senhoras”, eu disse, batendo no meu copo de chá com o garfo. “Nós temos uma nova tradição – nossa tradição de família. Toda noite teremos rosas novas e velas em nossa mesa”.

Na luz suave das velas, minha preciosa família e eu nos demos às mãos e agradecemos a Deus. Gail, minha nova irmã e melhor amiga, sentou-se ao meu lado e apertou minha mão de leve. Eu apertei de volta – com força.

My Sister's Place precisa de um prédio maior. Para saber mais sobre como ajudar, acesse www.mysistersplacedc.org
Copyright © 2008 por Christianity Today International (Traduzido por Simone Almeida)

Nenhum comentário: