Algumas vezes somos atingidos com tanta veemência  com a violência, injustiças  sociais e  com as tragédias naturais que, à semelhança do salmista Asafe (Sl 77.2), nos recusamos a ouvir  ou proferir qualquer  palavra de consolação.  Ainda que um anjo nos fale diretamente, ficamos  rígidos e  angustiados, fechados conosco mesmos.
Recentemente um homem foi assassinado  próximo da minha casa. Quando ouvi os tiros, tentei sair à rua para ver o que estava acontecendo, sendo, porém, impedido por familiares. É claro que minha  reação não resolveria o  problema, até mesmo poderia causar algum transtorno. Mas fiquei  admirado com a  reação das demais pessoas.  Alguns minutos depois a  ambulância  chegou para recolher o moribundo.  Tudo aconteceu em poucos minutos, depois dos tiros efetuados e um carro sair em disparada.
Enquanto isso,  as pessoas  de uma  churrascaria ao lado permaneceram  assentadas, tranquilas e completamente alheias ao que estava  acontecendo bem ali ao lado... Nem por curiosidade alguém se levantou para saber o que havia acontecido.
Fazemos parte de uma geração cauterizada e insensível. E, muitas vezes,  até mesmo nós, os salvos por Cristo, os santos ou santificados  em Cristo, estamos  perdendo a sensibilidade, o senso de misericórdia, a piedade e a ternura; ou até mesmo a capacidade para  nos indignar  e ficarmos perplexos  dos fatos tão brutais que contemplamos a cada dia. Atitudes estas que marcaram as vidas dos santos  do passado, como os salmistas e os profetas bíblico, especialmente a vida de nosso Senhor e Mestre, Jesus Cristo.
Na verdade, humanamente falando, não há como proferir ou aceitar qualquer tipo de consolação em algumas circunstâncias trágicas e desalentaras. Em momentos como esses não há como não sentirmos indignação e revolta, fazendo coro com o salmista: “A minha alma recusa consolar-se” (Sl 77.2b).
Foi  a reação da Sunamita por uma  resposta consistente na eminência da morte de seu filho: “Partiu ela, pois, e foi ao homem de Deus, ao monte Carmelo; e sucedeu que, vendo-a o homem de Deus de longe, disse a Geazi, seu servo: Eis aí a sunamita. Agora, pois, corre-lhe ao encontro e dize-lhe: Vai bem contigo? Vai bem com teu marido? Vai bem com teu filho? E ela disse: Vai bem” (2 Rs 4.26). Ela não quis perder tempo com quem não podia  ajudá-la de fato.
Foi a reação de Jó,  inúmeras vezes mencionadas em seu livro, a começar do capítulo 3, onde ele  amaldiçoa o dia em que nasceu.
Foi o que sentiu Jeremias quando assim se expressou: “Os nossos olhos desfaleciam, esperando o nosso vão socorro; olhávamos atentamente para uma nação que não nos podia livrar” (Lm 4.17).
De fato, não há esperança quando olhamos  para outros, ou até para nós mesmos em tais circunstâncias. Nem por isto precisamos agir com agressividade para com  as pessoas e animais com os quais convivemos. Quantas vezes somos  injustos com as  pessoas, e os animais,  agindo de forma intempestiva, tomando atitudes precipitadas, ferindo e magoando exatamente  aqueles a quem mais amamos, aqueles que caminham conosco e nos  dão  suporte para lutar e vencer as  batalhas da vida! E tudo isto por não considerarmos o que a  Palavra de Deus nos ensina. Contudo, Asafe não fica apenas remoendo consigo mesmo e com  seus semelhantes sua revolta e desolação diante  dos acontecimentos com os quais se  defrontara.   Ele  desabafa com Deus, se dirige ao trono da graça, ao Pai de misericórdias e Deus de toda a consolação, questionando diretamente com Ele sobre a manifestação da graça  e misericórdia  divina em meio às circunstâncias trágicas da vida:
“Elevo a minha  voz  e clamo, elevo a Deus a  minha voz para que me atenda. No dia da  angústia, procuro o Senhor, erguem-se  as minhas mãos durante a noite e não se cansam... Considerava os dias da antiguidade, os anos dos tempos antigos. De noite chamei à lembrança o meu cântico; meditei em meu coração, e o meu espírito esquadrinhou. Rejeitará o SENHOR para sempre e não tornará a ser favorável? Cessou para sempre a sua benignidade? Acabou-se já a promessa de geração em geração? Esqueceu-se Deus de ter misericórdia? Ou encerrou ele as suas misericórdias na sua ira? (Selá)” (Sl 77.2a, 5-9).
Será que Deus não está se importando com os nossos sofrimentos? Ou cessou a Sua graça e misericórdia? São  estas as perguntas que o salmista  levantava. Porventura não seriam essas também as perguntas que muitas vezes gostaríamos de fazer? Elas não expressam  a perplexidade que invade os nossos corações em circunstâncias semelhantes, as quais vivenciamos a cada dia? Porém, existe um detalhe que precisa ser  destacado aqui. É que o salmista não estava  falando “de” Deus, mas  “com” Deus.  E isto faz toda a diferença entre  murmuração e blasfêmia com a oração de súplica a Deus por Sua  misericórdia. De repente, enquanto questionava com Deus, Asafe se dá conta de seu próprio estado de confusão da alma: “E eu disse: Isto é enfermidade minha” (Sl 77. 10a).
Quando o foco de sua atenção deixou de ser as tragédias da terra para a contemplação da majestade divina, sua angústia se dissipou e as palavras amargas deram lugar ao louvor  e adoração  a Deus. Se acompanharmos seu cântico de louvor a Deus, ficaremos  maravilhados com tantas  palavras de exaltação e adoração  a Deus por Suas  realizações por nós. 
Que tal mudarmos também o foco de nossa atenção, exatamente quando a dor da saudade,  a dor de uma de uma  tragédia  que marcou profundamente a nossa vida, nos fazem sentir sufocados e profundamente angustiados? Que tal deixarmos de reclamar das autoridades e de Deus para  falarmos direta e pessoalmente com o próprio Deus, através do Senhor Jesus Cristo? Não seria este o momento mais propício para elevarmos a Deus a nossa oração, expondo a Ele toda a  nossa tristeza e desolação?
Pr. Vanderlei Faria
pastorvanderleifaria@yahoo.com.br
www.mananciaisdevida.blogspot.com
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