segunda-feira, 15 de março de 2010

A CONSOLAÇÃO DEFICIENTE

Algumas vezes somos atingidos com tanta veemência com a violência, injustiças sociais e com as tragédias naturais que, à semelhança do salmista Asafe (Sl 77.2), nos recusamos a ouvir ou proferir qualquer palavra de consolação. Ainda que um anjo nos fale diretamente, ficamos rígidos e angustiados, fechados conosco mesmos.

Recentemente um homem foi assassinado próximo da minha casa. Quando ouvi os tiros, tentei sair à rua para ver o que estava acontecendo, sendo, porém, impedido por familiares. É claro que minha reação não resolveria o problema, até mesmo poderia causar algum transtorno. Mas fiquei admirado com a reação das demais pessoas. Alguns minutos depois a ambulância chegou para recolher o moribundo. Tudo aconteceu em poucos minutos, depois dos tiros efetuados e um carro sair em disparada.

Enquanto isso, as pessoas de uma churrascaria ao lado permaneceram assentadas, tranquilas e completamente alheias ao que estava acontecendo bem ali ao lado... Nem por curiosidade alguém se levantou para saber o que havia acontecido.

Fazemos parte de uma geração cauterizada e insensível. E, muitas vezes, até mesmo nós, os salvos por Cristo, os santos ou santificados em Cristo, estamos perdendo a sensibilidade, o senso de misericórdia, a piedade e a ternura; ou até mesmo a capacidade para nos indignar e ficarmos perplexos dos fatos tão brutais que contemplamos a cada dia. Atitudes estas que marcaram as vidas dos santos do passado, como os salmistas e os profetas bíblico, especialmente a vida de nosso Senhor e Mestre, Jesus Cristo.

Na verdade, humanamente falando, não há como proferir ou aceitar qualquer tipo de consolação em algumas circunstâncias trágicas e desalentaras. Em momentos como esses não há como não sentirmos indignação e revolta, fazendo coro com o salmista: “A minha alma recusa consolar-se” (Sl 77.2b).

Foi a reação da Sunamita por uma resposta consistente na eminência da morte de seu filho: “Partiu ela, pois, e foi ao homem de Deus, ao monte Carmelo; e sucedeu que, vendo-a o homem de Deus de longe, disse a Geazi, seu servo: Eis aí a sunamita. Agora, pois, corre-lhe ao encontro e dize-lhe: Vai bem contigo? Vai bem com teu marido? Vai bem com teu filho? E ela disse: Vai bem” (2 Rs 4.26). Ela não quis perder tempo com quem não podia ajudá-la de fato.
Foi a reação de Jó, inúmeras vezes mencionadas em seu livro, a começar do capítulo 3, onde ele amaldiçoa o dia em que nasceu.

Foi o que sentiu Jeremias quando assim se expressou: “Os nossos olhos desfaleciam, esperando o nosso vão socorro; olhávamos atentamente para uma nação que não nos podia livrar” (Lm 4.17).
De fato, não há esperança quando olhamos para outros, ou até para nós mesmos em tais circunstâncias. Nem por isto precisamos agir com agressividade para com as pessoas e animais com os quais convivemos. Quantas vezes somos injustos com as pessoas, e os animais, agindo de forma intempestiva, tomando atitudes precipitadas, ferindo e magoando exatamente aqueles a quem mais amamos, aqueles que caminham conosco e nos dão suporte para lutar e vencer as batalhas da vida! E tudo isto por não considerarmos o que a Palavra de Deus nos ensina. Contudo, Asafe não fica apenas remoendo consigo mesmo e com seus semelhantes sua revolta e desolação diante dos acontecimentos com os quais se defrontara. Ele desabafa com Deus, se dirige ao trono da graça, ao Pai de misericórdias e Deus de toda a consolação, questionando diretamente com Ele sobre a manifestação da graça e misericórdia divina em meio às circunstâncias trágicas da vida:

“Elevo a minha voz e clamo, elevo a Deus a minha voz para que me atenda. No dia da angústia, procuro o Senhor, erguem-se as minhas mãos durante a noite e não se cansam... Considerava os dias da antiguidade, os anos dos tempos antigos. De noite chamei à lembrança o meu cântico; meditei em meu coração, e o meu espírito esquadrinhou. Rejeitará o SENHOR para sempre e não tornará a ser favorável? Cessou para sempre a sua benignidade? Acabou-se já a promessa de geração em geração? Esqueceu-se Deus de ter misericórdia? Ou encerrou ele as suas misericórdias na sua ira? (Selá)” (Sl 77.2a, 5-9).

Será que Deus não está se importando com os nossos sofrimentos? Ou cessou a Sua graça e misericórdia? São estas as perguntas que o salmista levantava. Porventura não seriam essas também as perguntas que muitas vezes gostaríamos de fazer? Elas não expressam a perplexidade que invade os nossos corações em circunstâncias semelhantes, as quais vivenciamos a cada dia? Porém, existe um detalhe que precisa ser destacado aqui. É que o salmista não estava falando “de” Deus, mas “com” Deus. E isto faz toda a diferença entre murmuração e blasfêmia com a oração de súplica a Deus por Sua misericórdia. De repente, enquanto questionava com Deus, Asafe se dá conta de seu próprio estado de confusão da alma: “E eu disse: Isto é enfermidade minha” (Sl 77. 10a).

Quando o foco de sua atenção deixou de ser as tragédias da terra para a contemplação da majestade divina, sua angústia se dissipou e as palavras amargas deram lugar ao louvor e adoração a Deus. Se acompanharmos seu cântico de louvor a Deus, ficaremos maravilhados com tantas palavras de exaltação e adoração a Deus por Suas realizações por nós.

Que tal mudarmos também o foco de nossa atenção, exatamente quando a dor da saudade, a dor de uma de uma tragédia que marcou profundamente a nossa vida, nos fazem sentir sufocados e profundamente angustiados? Que tal deixarmos de reclamar das autoridades e de Deus para falarmos direta e pessoalmente com o próprio Deus, através do Senhor Jesus Cristo? Não seria este o momento mais propício para elevarmos a Deus a nossa oração, expondo a Ele toda a nossa tristeza e desolação?

Pr. Vanderlei Faria
pastorvanderleifaria@yahoo.com.br
www.mananciaisdevida.blogspot.com

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