quinta-feira, 11 de março de 2010

A RECUSA DA CONSOLAÇÃO

Algumas vezes somos atingidos com tanta veemência com a violência, injustiças sociais e com as tragédias naturais que, à semelhança do salmista Asafe (Sl 77.2), nos recusamos a ouvir qualquer palavra de consolação. Ainda que um anjo nos fale diretamente, ficamos rígidos e angustiados, fechados conosco mesmos.

Na verdade, humanamente falando, não há com proferir alguma palavra de consolação em algumas circunstâncias trágicas e desalentaras. Por exemplo, o que dizer aos pais do menino João Hélio, morto de forma covarde e cruel no Rio de Janeiro, quando ouvimos dizer que seu assassino é privilegiado pela “justiça” (não dá nem para usar essa palavra no sentido literal) brasileira, como se aquele crime brutal não passasse de um simples deslize moral de um “pobre adolescente”? Como consolar a família de um trabalhador que é morto quando viajava num ônibus com objetivo de chegar ao trabalho onde ganhava o pão de cada dia, por um motivo tão fútil? Apenas porque se recusara a fechar a janela de seu lado... Como consolar os familiares de Idalmo e Mildrede, mortos num acidente de carro provocado por um desastrado e infeliz motorista, o qual invadiu a pista contrária com um caminhão, jogando-os em um precipício de cerca de dez metros? Como consolar os familiares do casal morto quanto voltava do hospital onde levaram a filha querida; especialmente quando somos informados de que o delinquente que dirigia na contra mão estava bêbado, sem carteira de habilitação e reincidente em pelo menos cinco delitos semelhantes?!!!!

O que dizer à família daquele jovem pai que é atropelado quando brincava com seu filhinho de 8 meses no parquinho, em São Paulo? E isto, considerando ainda que o tal infrator, criminoso, também já cometeu delitos semelhantes outras quatro ou cinco vezes, sem que nada lhe aconteça em termos de punição pela “justiça’ brasileira. Como consolar os familiares e amigos das vítimas daquela chacina ocorrida recentemente na Nigéria? E a cada dia nos indignamos com as notícias de pessoas, quase sempre jovens, que são brutalmente assassinadas, muitas vezes através de policiais pagos com nossos impostos para manterem a ordem pública.
Em momentos como esses não há como não sentirmos indignação e revolta, fazendo coro com o salmista: “A minha alma recusa consolar-se” (Sl 77.2b).

Contudo, Asafe não fica apenas remoendo consigo mesmo e com seus semelhantes sua revolta e desolação diante dos acontecimentos com os quais se defrontara. Ele desabafa com Deus: “Elevo a minha voz e clamo, elevo a Deus a minha voz para que me atenda. No dia da angústia, procuro o Senhor, erguem-se as minhas mãos durante a noite e não se cansam” (Sl 77.2a). Em seguida ele se dirige ao trono da graça, ao Pai de misericórdias e Deus de toda a consolação, questionando diretamente com Ele sobre a manifestação da graça e misericórdia divina em meio às circunstâncias trágicas da vida:

”Considerava os dias da antiguidade, os anos dos tempos antigos. De noite chamei à lembrança o meu cântico; meditei em meu coração, e o meu espírito esquadrinhou. Rejeitará o SENHOR para sempre e não tornará a ser favorável? Cessou para sempre a sua benignidade? Acabou-se já a promessa de geração em geração? Esqueceu-se Deus de ter misericórdia? Ou encerrou ele as suas misericórdias na sua ira? (Selá)” (Sl 77.5-9).

Será que Deus não está se importando com os nossos sofrimentos? Ou cessou a Sua graça e misericórdia? São estas as perguntas que o salmista levantava. Porventura não seriam essas também as perguntas que muitas vezes gostaríamos de fazer? Elas não expressam a perplexidade que invade os nossos corações em circunstancias semelhantes, as quais vivenciamos a cada dia? Porém, existe um detalhe que precisa ser destacado aqui. É que o salmista não estava falando “de” Deus, mas “com” Deus. E isto faz toda a diferença entre murmuração e blasfêmia com a oração de súplica a Deus por Sua misericórdia. De repente, enquanto questionava com Deus, Asafe se dá conta de seu próprio estado de confusão da alma: “E eu disse: Isto é enfermidade minha” (v. 10a).

Consequentemente, após ter sido mudada a sua perspectiva pessoal, sua reflexão pessoal, mudou também seu entendimento a respeito de Deus. Talvez melhor seria invertemos esta percepção. Ou seja, quando Deus manifestou-Se a ele, então Asafe pôde conhecer-se melhor e conhecer um pouco mais a respeito da grandeza e majestade de Deus: “mas eu me {lembrarei}) dos anos da destra do Altíssimo” (Sl 77.10b).

Quando o foco de sua atenção deixou de ser as tragédias da terra para a contemplação da majestade divina, sua angústia se dissipou e as palavras amargas deram lugar a um lindo e profundo poema de louvor e adoração ao poder de Deus. Se acompanharmos seu cântico de louvor a Deus, ficaremos maravilhados com tantas palavras de exaltação e adoração a Deus por Suas realizações por nós. E ele continua nos salmos seguintes com sua explosão de louvor. No poema, ou salmo, seguinte (78) ele diz algo que precisa ser repetido por todos nós:

“Abrirei a minha boca numa parábola; falarei enigmas da antiguidade. Os quais temos ouvido e sabido, e nossos pais no-los têm contado. Não os encobriremos aos seus filhos, mostrando à geração futura os louvores do SENHOR, assim como a sua força e as maravilhas que fez... Para que a geração vindoura a soubesse, os filhos que nascessem, os quais se levantassem e a contassem a seus filhos; para que pusessem em Deus a sua esperança, e se não esquecessem das obras de Deus, mas guardassem os seus mandamentos. E não fossem como seus pais, geração contumaz e rebelde, geração que não regeu o seu coração, e cujo espírito não foi fiel a Deus” (Sl 78.2-4, 6-8).

O salmista continua sua exaltação e louvor ao Senhor até a final do salmo 84. E as palavras finais de seu cântico são completamente opostas às palavras de lamentações e revolta com que iniciara o salmo 77:

“Porque vale mais um dia nos teus átrios do que mil. Preferiria estar à porta da casa do meu Deus, a habitar nas tendas dos ímpios. Porque o SENHOR Deus é um sol e escudo; o SENHOR dará graça e glória; não retirará bem algum aos que andam na retidão. SENHOR dos Exércitos, bem-aventurado o homem que em ti põe a sua confiança” (Sl 84. 10-10).
Aleluia! O Salmista chegou à doce e preciosa constatação que você e eu precisamos chegar, que vale a pena vivermos na presença de Deus, mesmo quando as circunstâncias em que vivemos são desalentadoras e revoltantes.

Que tal mudarmos também o foco de nossa atenção, exatamente quando a dor da saudade, a dor de uma triste sorte de uma tragédia que marcou profundamente a nossa vida, nos fazem sentir sufocados e profundamente angustiados? Que tal deixarmos de reclamar das autoridades e de Deus para falarmos direta e pessoalmente com o próprio Deus, através do Senhor Jesus Cristo? Não seria este o momento mais propício para elevarmos a Deus a nossa oração, expondo a Ele toda a nossa tristeza e desolação? Pense nisto e que Deus o (a) abençoe sempre. Amém.

Pr. Vanderlei Faria
pastorvanderleifaria@yahoo.com.br

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